domingo, 18 de janeiro de 2009

José Fabricio das Neves (39)

Detalhe de uma foto obtida em 20.8.1919 durante a instalação da sede do município de Cruzeiro (Joaçaba) em Catanduvas-SC (conforme depoimentos de Cecília Boroski, filha de José Fabrício, residente em Concórdia-SC, e de Maria Antunes Lemos, moradora de Vargem Bonita-SC). José Fabrício das Neves (primeiro plano) aparece ao lado de Agostinho Ferreira e Cesário de Mattos (terno e gravata), segundo José Ambrósio Gomes.


As orelhas do coronel (*)

Por volta de 1917, apareceu na região de Concórdia, um sujeito chamado Nemésio José de Medeiros, com a missão secreta de matar José Fabrício e levar suas orelhas para o então governador do Paraná Afonso Camargo. É o que escreve Antenor Geraldo Zanetti Ferreira. Gaúcho que havia participado da Revolução de 1893 sob o comando de Gumercindo Saraiva, Nemézio se tornou um “monge teleguiado” do Governo do Paraná e da Brazil Development and Colonization Company, essa última preocupada com a “liderança exercida por José Fabrício das Neves na região”. Representantes da Brazil Development e seu advogado, Afonso Camargo, também governador, teriam combinado com Nemézio o plano, logo posto em execução (FERREIRA, 1992, p. 61).

O “monge” se instalou em Taquaral, perto de Rancho Grande, na região de Concórdia, onde com rezas e conselhos envolveu certo número de caboclos. Em contato com o governador Afonso Camargo no dia 13 de junho de 1917, “manifestou seu desejo de comprar dois alqueires de terra para construir uma igreja”. Fabrício “não tardou a ser informado dos objetivos do “monge”, a quem teria conhecido nos tempos da Revolução de 1893, no Rio Grande do Sul, tendo sido anteriormente seu “amigo e compadre”. Ainda mais que ele se apresentava como o “José Maria” ressuscitado, segundo Ferreira (1992, p. 62), “alma de outro mundo”, visando certamente às ligações afetivas de Fabrício com o falecido monge do combate de Irani (José Maria).

No dia 29 de junho de 1917, o caudilho e seus homens encontraram Nemézio com alguns seguidores na beira de um arroio na fazenda Laranjeiras, em Dois Irmãos, atual município de Presidente Castelo Branco. Usando uma winchester, Fabrício teria acertado Nemésio, provocando a fuga dos que o acompanhavam. Em seguida, “mandou pegar o corpo, arrastar para o lajeado, limpar as tripas e salgar bem”, conta Ferreira (1992, p. 62). Algum tempo depois, em 18 de julho do mesmo ano, o cadáver chegou à estação de trem de Marcelino Ramos-RS, “com a orientação de Fabrício para que um agente do Exército transladasse o corpo do falso monge à Curitiba”, para ser entregue de “presente ao governador Afonso Camargo”, segundo o mesmo autor. O corpo foi enterrado em Marcelino Ramos-RS.

A historiadora Ivone Gallo usa o exemplo de Nemésio para argumentar sobre a existência de vários monges na região do Contestado, reproduzindo entrevistas que ele deu a jornais de Curitiba-PR, em que se apresenta como Jesus Nazareno. Tendo nascido em São João Batista do Herval-RS, residira em Pelotas-RS, dois anos em Irani-SC, e naquele momento havia se fixado em Taquaral, no mesmo estado, onde queria construir uma igreja, já tendo conseguido 2:643$620 réis. Precisava de mais dinheiro. “’Jesus de Nazareno’ é um belo tipo de taumaturgo”, escreve o jornal paulista A Capital. “A cabeça é judaica; lembra mesmo o Cristo”, possuindo cerca de 50 anos de idade, “cabelos bastos, encaracolados sobre os ombros, estão brancos, com tons levemente doirados. O tipo é magnífico. A alma pelo que se pode descobrir é silenciosa e boa” (GALLO, 1999, p. 92-93).

Sua morte ocorrida em Herval, segundo a mesma fonte, provocou a “imediata reação dos seguidores” e, segundo o mesmo A Capital, “a situação no Contestado não é nada tranqüilizadora. O desaparecimento do monge, pelo modo violento como seu deu, acirrou ainda mais os ânimos da gente fanática”, que aguardava a ressurreição de Nazareno, o que não ocorreu. Havia entre os seguidores do “monge” a “convicção plena” da existência de espíritos do mal impedindo que ele ressuscitasse e “estes são, para eles, a forma armada e os campônios da zona litigiada que não rezam pela cartilha do defunto chefe. Daí, estar iminente uma grande revolução” (GALLO, 1999, p. 93). “O temor da repetição dos episódios de Canudos, a partir do desaparecimento do monge Medeiros”, destaca Gallo (1999, p. 94) “perturbava o sono das elites do país, que acompanhavam atentamente os acontecimentos, tratados vastamente pela imprensa das principais capitais”. Entretanto, o “vínculo entre Canudos e Contestado já havia sido traçado desde a tragédia de Irani”, acrescenta a mesma autora.

Todos esses fatos permanecem reelaborados de alguma forma na memória de caboclos e outros moradores da região. José Ambrósio Gomes, por exemplo, relata que ao se ver diante de José Fabrício, o “monge” Nemézio teria lançado um desafio: que não poderia ser morto, só com bala de ouro, ao que o caudilho teria desembrulhado a embalagem de maço de cigarros e envolvido a bala “com o douradinho”, explica Gomes. “Aqui está a bala de ouro”, teria dito José Fabrício, atirando em seguida. Gomes conhece armas e sabe que isso é impossível, mesmo assim endossa a representação do episódio. Mais fantástica ainda é a narrativa de Paulo Antunes das Neves, neto de Fabrício, residente em Pinhão-PR, filho do segundo casamento de Afonso Antunes das Neves. Segundo ele, o “falso monge” Nemézio teria sido espancado e alvo de muitos disparos, mas não morria, quando resolveram abrir o corpo e retirar as entranhas, “mas o cara não morria e corria em volta da casa berrando que nem um louco”. Decidiram então colocar sal, vindo o sujeito a falecer.

O impacto do evento ficou marcado na memória coletiva da região, anotada por frei Tambosi (1941) em suas Crônicas. Um “ancião venerável, dado a falso misticismo”, chamado José Maria, “chefiava o grupo de fanáticos que punham em sobressalto a região do Irani-Jacutinga, pela sua fama de criminosos que cada vez mais se espalhava”. O Governo do Estado “teve que mandar forças contra esses bandos”, mas “o coronel Fabrício, sem ser fanático, ao que parece não prestou muito auxílio às tropas”. E afirma que, “atraiçoados por seus caboclos vaqueanos, muitos soldados perderam a vida, entre eles o coronel João Gualberto”. Entretanto “Fabrício foi a causa, ou até mesmo o mandatário da morte do profeta José Maria (sic), a quem acolheu favoravelmente e depois mandou matar, alegando que ele revolucionava os seus caboclos”.

(*) Texto publicado em O mato do tigre e o campo do gato - José Fabrício das Neves e o Combate do Irani. Florianópolis: Insular, 2007)


Referências

FERREIRA, Antenor Geraldo Zanetti. Concórdia: o rastro de sua história. Concórdia: Fundação Municipal de Cultura, 1992.

GALLO, Ivone Cecília D’Avila. O Contestado: o sonho do milênio igualitário. Campinas: Ed. Unicamp. 1999.

TAMBOSI, Valentin. Livro de Crônicas para a Capela de Nossa Senhora Aparecida de Engenho Velho. Paróquia N. S. do Rosário, Concórdia, Diocese de Lages. [1941]. 50f. [manuscrito]. (Fotocópia das primeiras páginas cedida por José Puntel. Concórdia, abril 2007).



A repercussão na imprensa de Florianópolis

O Dia (Florianópolis-SC). Capa, 14.7.1917.

O colega do curso de História na Udesc, Felipe Corte Real de Camargo, com as malas prontas para uma pós-graduação em Buenos Aires, me ajudou a pesquisar os principais jornais catarinenses entre 1917 e 1921 que integram a preciosa coleção da Biblioteca Pública de Santa Catarina, em Florianópolis. Entre os eventos do período está o surgimento desse novo monge, Nemésio José de Medeiros - também chamado de Jesus Nazareno, Jesus de Nazareth ou de José Maria. Veremos em detalhes essa cobertura da imprensa na próxima postagem.

Um comentário:

  1. SE INTERESSAR PRA VOCÊS MEU AVÔ E O IRMÃO DELE SÃO SOBRINHOS DE JOSÉ FABRICIO DAS NEVES E SÃO NASCIDOS EM IRANI, HOJE ELES MORAM EM CANDÓI NO PARANÁ, ACHO QUE ELES PODERIAM DAR INFORMAÇÃO VALIDAS PARA VOCÊS HOJE MEU AVÔ ESTÁ COM 78 ANOS E MEU TIO (IRMÃO)COM 81. ELES SÃO SOBRINHOS DE 2 GERAÇÃO DE FABRICIO DAS NEVES. MEU NOME É LUCAS TEL: 42 9912 6279

    ResponderExcluir