terça-feira, 20 de janeiro de 2009

José Fabrício das Neves (40)

O caso do monge Nemésio

Capa do jornal O Estado, nº 629.
Florianópolis-SC, quarta-feira, 13.6.1917.

O colega do curso de História na Udesc, Felipe Corte Real de Camargo, me ajudou a pesquisar os principais jornais catarinenses entre 1917 e 1921 na Biblioteca Pública de Santa Catarina, em Florianópolis. Entre os eventos do período se destaca o surgimento de um novo monge, Nemésio José de Medeiros, abordado na postagem anterior. A seguir, um pouco do que foi publicado na época. (Clique nos recortes para ampliá-los).


Capa do jornal O Estado, nº 635.
Florianópolis-SC, quarta-feira, 20.6.1917.

"O monge Jesus de Nazareth. Mais um semeador... da revolta?", pergunta o jornal O Estado em sua edição nº 639, página 2 (Florianópolis-SC,domingo, 24.6.1017). E publica uma matéria procedente de Campos Novos, escrita no dia anterior, com o subtítulo "População receiosa". O surgimento do novo monge no Irani "preocupa a atenção do povo daqui", diz o jornal. "É ele um caboclo alto, de barbas brancas e longas, descendo-lhe até o peito, cabelos brancos e compridos, olhos muito vivos e observadores com um certo ar de tristeza e de meiguice. Tem a imponencia impressionante o o ar superior de um santo. É excessivamente calmo e fala devagar, pausadamente, como que bem meditando no que diz. Usa uma bombacha a gaúcho e calça chinelos".

Informa que há cerca de oito dias ele embarcara em Capinzal "com destino a Curitiba afim de conferenciar com o dr. Afonso Camargo, presidente [governador] daquele Estado e solicitar permissão para edificar uma igreja no Irani. Ao que se sabe foi-lhe concedida a entrevista", comenta o jornal. "Consta aqui que desembarca de regresso hoje não tendo o governo do Paraná tomado providência alguma, tendo até, pelo contrário, garantido o monge Jesus de Nazareth. A ser isso verdade é indubitável a formação de novo canudos, incomparavelmente mais resistente que o antigo".

É importante situar esse novo monge no contexto da época. A fase mais aguda de repressão do movimento do Contestado (1912-1916) havia acabado e em 20 de outubro de 1916 fora assinado o Acordo de Limites Paraná-Santa Catarina, no Rio de Janeiro. A iniciativa gerou um levante armado na região Sudoeste do Paraná, envolvendo o deputado Cleto da Silva e os coronéis Domingos Soares e Manuel Fabrício Vieira, entre outros. As manifestações contra o acordo começaram em 7 de novembro de 1916, culminando com a sublevação entre maio e agosto de 1917. O período de ascensão e morte do monge Nemésio (Jesus de Nazareno ou de Nazareth) vai de maio a junho do mesmo ano de 1917.

Talvez por isso o jornal O Estado na matéria citada acima, faça uma advertência: "O novo Jesus de Nazareth é bem possível seja criatura da oposição do Paraná contrária ao acordo". Poucos dias depois sua morte é anunciada. "O monge Jesus de Nazareth foi assassinado. Uma peregrinação que acaba mal". Diz a matéria: "Nemésio José de Medeiros, que um dia, por uma anunciação divina, segundo nos disse ainda há poucos dias, recebeu no corpo o espírito de Jesus Cristo e desde então passou a chamar-se Jesus Nazareno, não teve como o rabino da Galiléia a cruz para expirar, no alto de uma montanha, mas apenas sofreu a rudeza de uma bala ou de um punhal, caindo na silenciosa floresta da margem do Uruguai".

E prossegue: "Esse novo messias que nasceu lá para as bandas de Jaguarão, desde moço se deu a leitura da Bíblia e não só se preocupou com os estudos exegéticos do livro sagrado do cristianismo, mas procurou caracterizar-se de modo a parecer um daqueles apóstolos do Tibiriades ou o próprio Cristo, que expirou no Calvário para redimir a humanidade". Assim, Nemésio "em andrajos esquisitos andou pelos campos e florestas a pregar a regeneração, até que um dia, com 3 contos de réis no bolso, resolveu visitar a capital do Estado do Paraná e entrar para a história, com uma coleção de fotografias curiosas, com um dos tipos místicos que tem impressionado a humanidade toda".

Ainda segundo o mesmo jornal, Nemésio regressara a "seu reduto" com "dinheiro e com um lote de terras para construir uma igreja", satisfeito por haver conduzido em Curitiba "centenas de curiosos, que o queriam ouvir e ver a sua longa cabeleira e a sua barba enorme. A sua sorte porém era má; o seu destino não era o de salvar a humanidade, mas o de cair, talvez por um tiro projetado por um admirador dos seus três contos de réis. (D'O Diario da Tarde)".


Capa do jornal O Estado.
Florianópolis-SC, nº 654, 12.7.1917.

Anúncio publicado em jornais de Florianópolis-SC
no período pesquisado (1917-1921), possibilitando
uma leitura da visão urbana dos monges.

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