sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (26)


O combate na visão dos oficiais do Regimento (1ª parte)

Os oficiais sobreviventes do Combate do Irani – José de Souza Miranda, João Busse e Adolpho (Adolfito) Guimarães Ribeiro – se tornaram alvos de suspeitas e acusações, sendo submetidos a conselhos de investigação e de guerra e inocentados. O conselho de investigação foi solicitada por eles ao Governo do Estado, apresentando como testemunhas o comissário de polícia de Palmas-PR, Domingos Nascimento Sobrinho, Amazonas Pimpão e João Pedrozo de Camargo, além de oficiais e praças do Regimento de Segurança, num total de 18 pessoas.

O parecer do conselho registra que o combate contou com “a gente do monge José Maria, em número superior a 300 homens, sendo que a força do Regimento [...] compunha-se de 59 praças e cinco oficiais; que a gente do monge veio parte a cavalo e parte a pé, contra a pequena força, achando-se os caboclos armados com grandes facões, armas de fogo de diversos sistemas, estabelecendo-se o entrevero”. Os oficiais em questão “só se retiraram do lugar do combate depois de esgotados os recursos porque os caboclos tomaram conta da munição”.

O comandante geral do Regimento, coronel Fabriciano do Rego Barros, mandou então que os três fossem submetidos a conselho de guerra, sendo ouvidas outras nove testemunhas oculares, além dos réus.

Capitão José de Souza Miranda
Relata em escrito do dia 08.04.1913 que a coluna sob seu comando, mesmo “estropiada e em terreno desconhecido, travou combate com a horda de fanáticos do monge José Maria em numero superior a 300, ficando assim a nossa força à razão de um homem para cinco ou mais e onde, nas circunstâncias de momento, após esgotar todos os meios de resistência e a munição, retirei”.

Tenente João Busse
Refere-se à “sanguinolenta refrega” entre uma “pequena fração do Regimento de Segurança” e a “horda de fanáticos chefiada pelo famigerado monge José Maria”. Diz que as 27 testemunhas ouvidas confirmaram que soube cumprir o dever.

Alferes Adolpho Ribeiro Guimarães
Rebele as acusações de “fraqueza”, “covardia” e “desorganização” do Regimento no combate de 22 de outubro no Irani. O encontro com a “horda” de José Maria aconteceu em “campo desconhecido”, onde a força foi surpreendida “no ataque por todos os flancos” e ficando exposta “às perigosas contingências que os acidentes do terreno e o número dos atacantes constataram”.

Os cerca de 60 homens sob o comando do coronel João Gualberto estavam “mal armados e estropiados por marchas forçadas por caminhos ínvios, em terrenos acidentados cobertos de mato espesso que nos impedia de ver o que nos esperava à frente, formando antes um contingente para simples diligencia policial, e nunca uma coluna de guerra aparelhada convenientemente para entrar em combate com forças irregulares”, assinala o oficial. “Não é de admirar em tais circunstancias fossemos por eles desbaratados, sem embargo de bravura, do denodo, da temeridade com que, desde o nosso malogrado e intrépido comandante até o mais humilde dos nossos soldados, nos batemos, copo a corpo e a arma branca, com mais de 300 bandidos, afeitos a todos os crimes, à luta irregular e assalto a traição.”

Fonte: ROSA FILHO, José Alves da. Combate do Irani. Curitiba: Associação da Vila Militar, 1998.




Moraes Sarmento

1)
O combate estava no auge. “O alferes Moraes Sarmento, com a face quase bipartida, combalido como morto sobre um lamaçal de sangue, ali ficara dois dias entre a morte e cruciantes padecimentos de ferido abandonado. Sem energias para se levantar, o alferes Sarmento fora visitado pelos jagunços que ficaram senhores do local, fora despojado do relógio de ouro que agradara a um fanático e só não fora morto ‘para sofrer mais um pouco’, na expressão de alguns jagunços que vieram explorar os destroços. Uma velha matuta que se condoera do triste desígnio do alferes, levou-o para o seu ranchinho [...]”. (BANDEIRA, Euclides. Respingos Históricos. Curitiba: Topografia Favorita, 1939. p. 130).

2)
“O alferes Sarmento, com indômita coragem, atirou-se ao mais aceso da luta, tão entusiasmado que quase nem sentiu os golpes que recebia pelo corpo ensangüentado. Numa arremetida furiosa, um jagunço conseguiu desferir-lhe violenta cutilada no rosto, extirpando-lhe o olho direito. Tão forte foi o golpe que ele deixou cair a arma no chão. Com a vista vazada, combalido como um morto sobre um lamaçal de sangue, o bravo oficial caiu sem sentidos ao solo. Um caboclo chegou perto do corpo inerte e levantou o facão para estraçalha-lo. Num relance, o soldado Romão dos Santos viu o perigo e atirou, acudindo a tempo, salvando sarmento do golpe mortal e subjugando o matuto”. (ROSA FILHO, José Alves da. Combate do Irani. Curitiba: Associação da Vila Militar, 1998).


A versão no Processo do Irani

Depoimento do alferes Joaquim Antônio de Moraes Sarmento (Processo do Irani, fls 68-71). Palmas-PR, 4 de novembro de 1912. O atual patrono da Polícia Militar do Paraná estava com 30 anos de idade na ocasião do combate no Irani, era casado, nascido no Ceará e residente em Curitiba.
Resumo

Estava na frente da linha de atiradores, logo rompida pelas forças do monge, sendo atingido no olho por uma facada e posto fora de combate, desacordado. Depois se recupera, contorna uma “casa situada no local do combate” e avista apenas o capitão Miranda tiroteando e muitas praças por terra “assim como muitos fanáticos do Monge”. Não viu o coronel João Gualberto.

É socorrido pelo capitão Miranda, que amarra “um lenço no ferimento”. E “devido ao estado de abatimento do respondente, e a conselho do capitão Miranda, o respondente internou-se no mato e após caminhar uns 15 minutos, mais ou menos, o respondente encontrou-se com o alferes Libindo, que também se achava ferido”. Eles seguiram pelo mato e ao passar por um pequeno arroio foram cercados “por um grupo de fanáticos em número de seis a oito”.

Os rebeldes perguntaram aos dois “se ofendiam a eles fanáticos, tendo o respondente respondido que não os ofendia”. Os “fanáticos se aproximaram e um deles afirmou: ‘Você está morto, mas não tenha cuidado, se você morrer, nós lhe damos sepultura aqui, levamos seu companheiro e depois voltamos buscar você’”. Os homens seguiram com Libindo e um permaneceu com Moraes Sarmento que, “depois de o haver insultado, pediu que o respondente lhe desse um relógio de ouro que consigo trazia”.

Antes disso, Moraes Sarmento entregara a “José Felisberto, a quantia de cem mil réis” que tinha em seu bolso “para que este o guardasse, em virtude das promessas [...] de transportar o respondente para sua casa, o que não fizeram, tendo o respondente permanecido caído naquele lugar” até as 17 horas, “quando reanimou-se e prosseguiu pelo mato até o anoitecer, tendo encontrado um rancho de monjolo onde o respondente pernoitou”.
[É importante destacar que os cem mil réis foram deixados por José Felisberto com um comissário de polícia para ser devolvido ao dono].

Ao amanhecer do dia 23, se pôs a caminho “e sem saber por onde ia saiu no mesmo lugar em que os bandidos o tinham deixado”. Continuou pelo mato, “perdeu-se mais uma vez, tendo porém a felicidade de tempos depois avistar uma casa, e aproximando-se desta”, morada de Lúcio Roberto, onde foi acolhido e tratado até a chegada de um alferes farmacêutico no dia 29.

No dia 30 seguiu para Palmas, aonde chegou no dia 3.11.1912. No depoimento, disse que Pedro, morador da casa em que foi acolhido, pediu seu relógio e ele não deu, alegando ter custado 250 mil réis. “Pedro, depois de o insultar muito, levantou-se do lugar em que estava sentado, dirigiu-se para o respondente e [...] o relógio que se achava no bolso da túnica, disparando em seguida pelo mato”.


quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Meinrad, mensagens e cronograma do blog


Alemão nascido em 1939, Meinrad Anton Fridrich Horn ou simplesmente Meinrad Horn, deixou um legado artístico original e raro: milhares de peças tendo a palha de milho seca como matéria prima principal. Um de seus trabalhos, por sinal o último, sobre o Contestado, foi registrado pelo repórter-fotográfico J. L. Cibils e encaminhado ao Fragmentos do tempo para publicação. Iniciado em 2002, o conjunto previa 20 módulos, mas apenas seis foram executados: a morte alcançou Meinrad no ano seguinte, 2003, dia 13 de março.

Sua chegada ao Brasil é cercada de aventura. Tendo deixado a Alemanha numa embarcação, acabou afundando na costa do Paraná, onde o náufrago se lembrou da existência de familiares em Rio Negro-PR. Corria o ano de 1974. Meinrad conheceu Doralice, com quem se casou dois anos depois - hoje ela reside com os filhos em Mafra-SC, onde mantém um ateliê.

Meinrad foi autor de um dos maiores presépios em palha de milho do mundo, a "Cidade de Belém", onde desfilam cerca de 1700 personagens num espaço de 50 m². Outro trabalho, "Passagens da vida de Cristo", apresenta 40 oratórios com 800 personagens. As duas obras se encontram em exposição permanente no Parque Ecoturístico Municipal Seminário Seráfico São Luis de Tolosa (Rio Negro-PR).

Aos poucos a trajetória e a obra de Meinrad se tornam mais conhecidas e valorizadas. Já existe "Vida e Obra de Meinrad Anton Fridrich Horn", de Sandro César Moreira (org), Alex Padilha de Oliveira, Beatriz Sommer, Charles Gonçalves da Silva e Marcel G. T. Gonçalves, ponto de partida para o levantamento do legado do artista. Na Alemanha, seu irmão Rupert Horn, realiza levantamentos junto a artesãos, consulta material escrito em arquivos particulares e públicos.








Fotos: J. L. Cibills.

MENSAGENS

Celso!
[...] foi muito bom conhecer o seu blog, já deu para aprender muita coisa. Belo trabalho! Lembrei também da minha infância, início dos anos 70, quando meus pais se mudaram para Realeza-PR, uns 100 km a oeste de Clevelândia. A grande maioria das pessoas vinha do RS, mas tinha outras pessoas, como as das fotos do seu blog, que já estavam lá. Lembro que perguntava pro meu pai quem eles eram. A resposta era: ‘são caboclos do meio do mato’ e seguiam-se vários conselhos para não me aproximar daquele tipo de gente.
O próprio prefeito da cidade era um deles, seu nome: ‘João Maria Corrêa’. Ninguém sabia ao certo as suas 'origens' mas lembro que diziam que era ‘lá dos lados de Clevelândia’. Era acusado de vários crimes, grilagens, assassinatos e até um estupro. Nem lembrava mais destas histórias, mas você me fez ficar curioso a respeito das pessoas com as quais convivi dos 6 aos 13 anos.
Grande abraço e boas festas!
Edgar Garcia Filho”.

Gigante Celso.
Magníficas fotos inundam-nos a alma e provocam desmoronamento no coração. P. Uniâo deslumbra. A casa do Marcondes testemunha a profecia, mas não sufoca a paixão oculta na Sec. de Cultura, alojada na estação férrea, cujo titular navega nas águas da própria imaginação a espera de um socorro... A travessia do Chopin é um deslumbre. A cabeça da mula imersa, com as orelhas retilíneas, parece negar a afirmação negativa de procurar chifre em cabeça de burro.... A bombacha, a figura, o chapéu e a bandeira, que ornam o guasca que a empunha na barranca do rio daria o mais autêntico postal do guerreiro ‘XIRU’ de ‘antanho’. Tio Juca seguramente rejuvenesceu a alma e restaurou as energias físicas ao se deparar com tão sugestivas fotos, o que vem provar que não é só o ADEODATO ressurreto que invoca os céus na TV e restaura vidas. Fotos também.
As do Parque do Contestado evidenciam beleza do teto, do cenário, e o caráter do gerenciador da obra em decomposição. O moribundo prefeito, cuja agonia cresceu com a cassação pelo TJ de SC do novo e terceiro anulado concurso público, teriam asseguradas aprovações por meio de uma corrupta empresa do PR, investigada a tempo pela nova gestão a iniciar-se em janeiro. Por hoje é só, o que já é muito. Um grande abraço ao amigo, D. Marga, e ao foco de luz resplandecedora da frenética e alucinada paixão cujas labaredas nem bombeiros nem enchentes do Iguaçu a debelam em P. União.” (Vicente Telles. Irani-SC, 6.12.2008)


CRONOGRAMA

Fragmentos do tempo
Ativo nas festas de fim de ano

Seqüência (prevista) de postagens

“Em relação a morte de Jose Fabricio das Neves, existe a publicação de Jose Waldomiro Silva, onde ele informa que conheceu o mesmo e que em janeiro de 1926 ocorreu uma cilada, onde foram assassinados o José Fabrício, juntamente com seu staff. A autoria é atribuída a Marcelino Ruas”.
Enorio Luiz Simon (Joaçaba – SC)

Levando em consideração essa nota, lembramos que a cada 48 horas é feita uma postagem sob o título geral “José Fabrício das Neves” (nº). Nos intervalos, postagem de textos e imagens correlatas ao assunto, como lugares, personagens e outros.

* A partir de amanhã, 19 de dezembro de 2008, vamos apresentar as versões de oficiais do Regimento de Segurança do Paraná (atual Polícia Militar), sobreviventes do Combate do Irani de 22 de outubro de 1912.

* Na seqüência teremos os detalhes do inquérito aberto em Palmas-PR no em 23 de outubro do mesmo ano e que deu origem ao Processo do Irani (Fórum de Palmas-PR, cópia cedida pelo professor da UFSC Paulo Pinheiro Machado).

* Serão destacadas a altivez, a nobreza e a dignidade de Thomaz Fabrício das Neves e seu tio Miguel Fabrício da Neves, os dois únicos presos devido ao Combate do Irani. Levados a Palmas-PR e mantidos na cadeia pública local, eram conduzidos “a ferros” ao fórum local para as audiências.

* Na medida do possível vamos trabalhar algumas conclusões desses instantes iniciais do movimento social do Contestado ou Guerra do Contestado, pouco conhecidos e estudados até o momento, mas que surgem ricos e diversificados. A religiosidade de São João Maria não será esquecida, ao contrário, pois se trata de um aspecto central da revolta.

* Teremos a trajetória de José Fabrício das Neves até 1925, ano em que foi emboscado, morto e degolado por Marcelino Ruas e outros da mesma família - e a nebulosa compra da Fazenda Velha, o pagamento de 40 contos de réis por sua cabeça. O personagem que está na origem da criação dos atuais municípios de Concórdia, Ipumirim, Arabutã e Itá, entre outros, se tornara um “coronel” de grande poder político e militar.

* A saga da esposa de José Fabrício das Neves, dona Crispina Maria Antunes, e seus, filhos, após sua morte. O êxodo para o Paraná, o medo e o esforço de esquecimento dos traumas do passado.

* Os Fabrício das Neves em Coronel Domingos Soares-PR – os descendentes de Fidêncio e de Thomaz Fabrício das Neves. O deslocamento dos caboclos combatentes do Contestado para o Sudoeste do Paraná e outras áreas. A trajetória dos Perão (Peron) também será destacada.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (25)

Túmulo de José Maria (Irani-SC, 23.8.2008)


Por dentro do entrevero do Irani

Nascido no final do século 19, José Pinheiro dos Santos estava com 14 anos de idade quando participou do Combate de 22 de outubro de 1912 no Irani. Ele foi levado a Palmas-PR para prestar depoimento no inquérito presidido pelo comissário Nacimento Sobrinho, que acompanhara o coronel João Gualberto até os instantes finais do entrevero. Solteiro, lavrador, filho de Manoel Pinheiro Bandeira e de Maria Carolina dos Santos, natural do Jacutinga (possivelmente no município de Catanduvas-SC), onde residia, não sabendo ler nem escrever. Foi ouvido no dia 12 de novembro de 1912.

Disse que estava em casa em outubro de 1912 quando chegou um grupo em sua casa, convidando seu pai a ir ver o monge. Entre eles estava seu irmão Manoel Pinheiro, acompanhado de Jacintho Ferreira, Poli Leopoldino, Sebastião Vicente e João Veneranda. Seguiram rumo ao Banhado Grande, chegando no dia seguinte à casa de Miguel Fabrício das Neves. Era ali que estava o acampamento de José Maria, ao qual José Pinheiro foi apresentado. O monge chegou a comentar que ele ficaria a seu lado, mas que não precisaria entrar em combate.

Pouco depois, João Veneranda se aproximou e lhe entregou uma pistola, “dizendo que aquela arma era para o respondente utilizar-se dela na ocasião do combate”. No dia seguinte o menor teria sido pressionado por Poli e Jacintho, “que em nome do Monge obrigaram o respondente a fazer parte do grupo que pela manhã daria combate contra as forças do Governo”.

Tendo sido “ameaçado de morte”, conforme alegou, o menor se reuniu a uma força composta de cinqüenta e cinco homens, capitaneados por José Fabrício das Neves, “os quais permaneceram no mato, tendo José Maria, o Monge, acompanhado de quarenta e cinco homens, seguido na frente”. José Fabrício e seu pessoal cobriam a retaguarda. Ao se aproximarem do lugar denominado Banhado Grande, apareceu uma força do Governo, próximo à casa de Bento Quitério.

O efetivo da Força Pública estava “estendida em linha, e o Monge deu ordens de avançar”, seguindo-se “renhido tiroteio”. O menor estava a cerca de cem metros do local do combate e viu seu irmão Manoel cair morto, assim como Manoel Borges e “a tia do respondente de nome Maria Francisca, que também fazia parte do grupo do Monge”.

Na ocasião disparou sua pistola de dois canos contra as forças do Governo, pois Jacintho Ferreira, João Veneranda e um Lourenço “disseram que caso não atirasse o matariam”. Jacintho recarregou a arma do menor e “durante o entrevero ele puxou a faca que tinha, após haver descarregado a pistola”. Essa faca lhe foi tirada das mãos por “Manoel de Nhá Borja, ao que o menor apanhou um facão de pau que estava seu lado, e com este tomou parte do entrevero, ao lado de Lourenço que estava no grupo do Monge”.

Com esse facão ele conseguiu “ferir alguns soldados da Polícia, recordando-se bem haver dado um pontaço em um soldado, de estatura baixa, trigueiro, pouco bigode e barba feita, que o feriu na virilha”. Ele viu “José Fabrício brigar muito, assim como viu o Monge de espada em punho brigar com um soldado que estava fazendo fogo sobre a metralhadora”. O menor não esperou que a luta terminasse: escapou em companhia de Jacintho Ferreira, João Veneranda, Sebastião Vicente e Poli Leopoldino “em direção a sua casa que fica na costa do rio do Peixe”.

Que sua tia chamada Maria Francisca, “que se achava no combate ao lado do Monge, acompanhava este desde Capinzal, e sofria das faculdades mentais na ocasião do combate, as próprias pessoas do Monge a mataram, dando um balaço na cabeça e [uma pontada de lança] embaixo do braço, cujo cadáver foi conduzido dali para a casa de Miguel Fabrício afim de dar sepultura”, conforme lhe contara depois Firmino Sapateiro.

Após o combate o menor foi para sua casa, a cerca de 30 quilômetros do Banhado Grande. Ao chegar, sua mãe, Maria Carolina dos Santos, disse que voltasse ao local de combate para dar sepultura a seu irmão Manoel. Acompanhado de Estanislau Borges, o menor retornou ao Banhado Grande, onde “cortaram dois paus e a ele ligaram o cadáver de seu irmão, com cordas de couro, e o conduziram para a casa de Miguel Fabrício, e daí o sepultaram no Cemitério que fica nas proximidades da mesma casa”.

No depoimento o menor informou que “sobre um capão estava Sebastião [...] caído sobre um pau, gemendo muito, com dois ferimentos, um no ventre e outro no quarto, tendo este pedido ao respondente que pedisse a sua família que viesse buscá-lo dali, pois estava sofrendo muito e não podia caminhar”. José Pinheiro mandou um recado à família de Sebastião, “por Armando de Tal”. Mais tarde soube que Sebastião fora transportado “para a casa de sua família, onde faleceu, em conseqüência dos ferimentos recebidos”.

No local do combate ele encontrou quatro cadáveres, “sendo três vestidos a paisana e uma praça que tinha umas fitas encarnadas no braço, usando [...] um grande ferimento na cabeça e se achava sobre o morro”. Próximo encontrou o irmão Manoel. “Passou revista nos bolsos, de onde tirou um relógio e algum dinheiro, isto é cinqüenta mil réis, em diversas notas, levando também desse lugar um chapéu marrom”. Depois disso, se retirou com os companheiros e foi para sua casa, mas pernoitou na casa de Maria Borges, “de onde seguiram no dia seguinte para suas casas”.

Firmino Sapateiro lhe contou que José Fabrício “tinha levado consigo todo o dinheiro que o Monge tinha em seu poder”. Na ocasião do combate ele, respondente, “viu ao lado do Monge e brigando contra as forças do Governo os indivíduos, Estanislau Borges, primo do respondente, Manoel Alves, irmão do respondente, João Bandeira, Joaquim Bello, Bento Quitério e um filho, cujo nome ignora”.

Terminado o combate, encontrara no mato “um oficial da Polícia que apresentava dois ferimentos, sendo um nas costas e outro no rosto, tendo este pedido a Pedro que o levasse na casa de Manoel Isack, no Caçadorzinho, prometendo-lhe pagamento, no caso Pedro lhe fizesse esse favor [...], o que não foi feito devido ter Pedro pedido o pagamento adiantado; que nesta ocasião Pedro, de lança em punho, ameaçando ao oficial, tirou do bolso deste um relógio e cinqüenta mil réis em dinheiro, deixando o oficial no mesmo lugar, encostado sobre uma pedra, dizendo que não o tirava dali, sem que o mesmo não o pagasse adiantadamente, pois eles soldados eram muito velhacos e não tinham palavra”.

O depoimento é rico em detalhes. Um Lourenço de Tal, por exemplo, morador da localidade de Duas Casas, “e que tinha estado no combate ao lado do Monge, contou ao respondente que no combate matou três pessoas, a facão; que o respondente sabe, por lhe contar José [Xallico?] que o negociante João Roza, tinha arrecadado armamento e munição que tinha ficado no lugar do combate, pertencente ao Governo, levando tudo para sua casa, no Faxinal dos Fabrícios”. E mais: “[...] Sebastião Lageano, que estava no combate ao lado do Monge, levara, também, consigo, Winchesters, e que Venâncio, irmão de Sebastião Lageano também levara um revólver, que encontrou no lugar do combate”[...].

O depoimento estava sendo dado por encerrado, quando José acrescentou outras informações. Disse que “Miguel Fragoso tomou parte no combate; isto sabe por que o viu na ocasião do mesmo combate, brigando; assim como José Fabrício e Miguel Fabrício; que sabe por ter-lhe dito Firmino Sapateiro que Miguel Fragoso foi quem levou o dinheiro do Coronel João Gualberto; que o dinheiro tirado por Fragoso consistiu em libras, digo, em três esterlinas e mais dinheiro em papel, cujo dinheiro ficou em poder de José Fabrício”.

Sob forte pressão e vivendo momentos inéditos em sua vida, o menor abriu o jogo. “Que não afirma ter visto Miguel Fragoso no combate, pois não recorda de tê-lo visto no mesmo combate; que Firmino Sapateiro recomendou a ele respondente que quando fosse perguntado sobre o combate, contasse que Miguel Fragoso tinha tomado parte saliente do combate, ao lado do Monge, recomendando-lhe também que não fizesse referências ao pessoal dele Firmino Sapateiro [mas] a seu cunhado Guilherme que faleceu, em conseqüência dos ferimentos recebidos em combate, onde esteve ao lado do Monge”.

Disse que “Guilherme morava em terrenos de propriedade de Nhá Borja, digo, de Nhá Maria Borja, no lugar denominado Pingador”. Orientara-o que nada revelasse sobre “a pessoa de seu camarada João de Tal, que também esteve no combate; que Jacintho Ferreira e João Veneranda aconselharam a ele respondente a que não contasse que eles tomaram parte do combate; que sabe que Firmino Sapateiro não gosta de Miguel Fragoso e que por isso [...] ao respondente para que afirmasse [...] ter Miguel Fragoso tomando parte do combate, contra as forças Estaduais”.

Por fim, acrescentou que “Joaquim Bello e um filho deste de nome João Bello, contaram ao depoente, pois ambos tomaram parte ao lado do Monge, que viu José Fabrício desfechar dois tiros sobre o comandante, prostrando-o por terra e em seguida Venâncio Preto, irmão de Sebastião [Lageano] dar uma facada no mesmo, dando mais um grande golpe na cabeça, que o acabou de matar e imediatamente Venâncio sacou da mão do Coronel João Gualberto, que então já era cadáver, o revólver com que estava armado, tendo José Fabrício e um seu camarada de nome Trezentino [levado] a bolsa ou o bocó que o comandante trazia consigo, e como não o pudessem abrir cortaram-na com um canivete tudo quanto a mesma continha, inclusive dinheiro, [...] atirando-se depois no mato; que viu Sebastião Preto levando do local do combate uma espada, uma bota e um bonet para um seu filho, além da Winchester, levando também um cavalo picaço com a marca oitenta e nove (89) cujo cavalo negociou com o respondente e se acha em poder dele respodente que ficou de fazer um alqueire de roçada em pagamento do dito cavalo”.

Como o menor não sabia ler ou escrever, assinou “a rogo do interrogado” o cidadão Vicente Lapositi. “Leônidas César de Oliveira (escrivão ad-doc); o Comissário Domingos Nascimento Sobrinho (que conduz o inquérito)”. (Processo do Irani, fls 100-104)


“José Fabrício mandou fazer fogo”

Por algum motivo, o mesmo menor, José Pinheiro dos Santos, foi ouvido pela segunda vez no inquérito, mas indicado como sendo José Pacheco dos Santos (filho do mesmo Manoel Pinheiro Bandeira, “falecido”, e de Maria Carolina dos Santos, com os mesmos 14 anos de idade). Nesse segundo depoimento, obtido pelas autoridades policiais no dia seguinte (13 de novembro de 1912), ele faz outras revelações.

Em “dias do mês de outubro” ele estava em casa com sua mãe quando chegou Jacintho Ferreira, dizendo que tinha ido busca-lo “para brigar a favor do Monge, que estando com o Monge não tinha mais perigo”. O menor alegou que não iria, pois seu irmão, Manoel, “já estava com o Monge”. Jacintho saiu dizendo que ia arranjar mais alguém e retornou acompanhado de João Veneranda, que se dirigiu a dona Maria Carolina dizendo que “era preciso que este fosse, disse ele que se não fosse por bem ia por mal”.

Com “medo”, o menor seguiu os dois, indo dormir na residência de Maria Borges ou Borja. Ela garantiu aos três que “o Monge vencia a batlha”. Segundo o depoimento, José Maria teria presenteado Maria Borges com velas, recomendando que elas fossem acessas ao começar a batalha. Se elas se apagassem ele perderia. Enquanto permaneceu na residência de dona Maria, o menor observou a chegada de “trinta homens vindos de Catanduvas”, entre eles Joaquim Bello, Venâncio Lageano e seu irmão Sebastião Preto. Na manhã seguinte eles seguiram para o Banhado Grande. No caminho se incorporaram Poli Vicente e seu irmão Sebastião Vicente.

Chegaram no acampamento de José Maria por volta das 8 horas e se apresentaram ao monge, recebendo ordens que “fossem almoçar e depois do almoço fosse ele respondente, Jacintho Ferreira e João Veneranda, a beira do campo, também para ver se não vinham forças do Governo”. Feita a refeição, se dirigiram ao local indicado onde já estavam um Lourenço e João Vermelho no trabalho de guarda (bombeiro). Enquanto o menor permaneceu no local fazendo café, acompanhado de Jacintho Ferreira, Lourenço e João Vermelho saíram para inspecionar as imediações, retornando ao anoitecer.

Todos pernoitaram no local e no dia seguinte retornaram ao acampamento, informando a José Maria que a força do Governo não havia aparecido. Todos passaram o dia no acampamento. No final da tarde, junto com Lourenço e João Vemelho, seguiram novamente para “bombearem a entrada da picada”. No dia seguinte, por volta do meio-dia, estavam de volta ao acampamento informando terem visto as forças “descendo meia canhada do campo perto da casa de Isack”.

Na ocasião, José Maria comentou numa roda de conserva que Domingos Soares havia de aparecer naquele mesmo dia para tratar da paz. O tema dominou as discussões que se seguiram. José Fabrício das Neves, que estava presente, disse que “de jeito nenhum aceitava a paz, que queria era pelear”. Nesse momento “o Monge declarou a todos que em vista disso o combate era no dia seguinte”. Em seguida José Maria seguiu com “quase todo o povo dele, uns a pé e outros a cavalo” na direção do campo, retornando por volta das 3 horas da madrugada de 22 de outubro de 1912.

Antes de ir descansar, José Maria “disse ao povo que as forças do Governo estavam na entrada do mato, mas, que não tivessem medo porque quando o comandante da força gritasse ‘fogo’ os feches das armas dos soldados caíam no chão e que aí era só matar a facão”. Estava amanhecendo quando os “bombeiros” Sebastião Preto e seu irmão Venâncio chegaram ao acampamento, “contando ao Monge que as forças do Governo estavam entrando no mato”.

Foi nesse momento que José Maria mandou “encilhar os cavalos que estavam a cabestro e se preparassem para brigar”. José Fabrício das Neves”e mais uns quantos, uns a cavalo e outros a pé, inclusive o respondente, vieram na frente, enquanto o Monge e o resto do pessoal ficaram [...] se aprontando”. Quando o grupo liderado por José Fabrício chegou num alto, perto do Banhado Grande, “avistaram a força do Governo, sendo que as praças montadas estavam ao lado de uma casa, e as praças de pé estavam um pouco retiradas da cavalaria”.

Segundo o menor, “imediatamente José Fabrício mandou fazer fogo contra a cavalaria e que então as forças do Governo estenderam linha e ele respondente ouviu por várias vezes gritarem: ‘Fogo’”. Em seguida chegou José Maria “com o resto do pessoal, e descendo uma meia lua uniu-se às forças sob o comando [...] do Governo e começou a briga a facão”. O entrevero havia começado. O menor estava armado com uma pistola de dois canos e um “facão de madeira (cubatões), de cujas armas fez uso na mesma briga”.

Terminado o entrevero, o menor “acompanhou uma turma capitaneada por José Felisberto” (José Alves Perão), quando dois oficiais do Regimento de Segurança do Paraná foram encontram e cujos detalhes veremos mais a frente. (Processo do Irani, fls 108-111)


Um trago após o combate

João Antônio da Roza estava com 44 anos de idade, era casado com uma filha de Miguel Fabrício das Neves, onde o monge José Maria estava acampado com seus homens, no chamado Faxinal dos Fabrícios, onde residia. Sendo “negociante”, nascido no Rio Grande do Sul, sabendo ler e escrever, ele prestou seu depoimento perante o juiz de Direito Júlio Abelardo Teixeira em Palmas-PR, no dia 29 de abril de 1913.

Ele estava acordado no final da madrugada do dia 22 de outubro de 1912, quando passou “pela frente a casa do depoente um grupo de cavalheiros vindo na frente montado em um cavalo branco o Monge José Maria que ia abanando uma espada”. Estava acompanhado por 80 a 100 homens, “tendo mais gente adiante”. Pouco depois ouviu descargas de tiros vindas do Banhado Grande.

Disse que na manhã seguinte, dia 23 de outubro de 1912, seguiu a Palmas com o objetivo de informar as autoridades do ocorrido, tendo passado pelo local do combate. Localizou 17 cadáveres, entre eles o do coronel João Gualberto, “que achava-se fardado em um uniforme amarelo e o célebre Monge que achava-se para dentro de uma cerca”.

A determinada altura, o promotor que acompanhava o depoimento, pediu que ele relacionasse as pessoas aliadas de José Maria no combate. Disse saber por ter ouvido dizer que José Fabrício das Neves, José Alves Perão (José Felisberto) e Praxedes Gomes Damasceno “e outros cujos nomes ignora, tomaram parte no combate ao lado do Monge”. (Processo do Irani, fls 240-242)

Cabe destacar que na fase do inquérito, quando foi ouvido no dia 31 de outubro de 1912, o comerciante também fora cuidadoso nas palavras. Dissera que “no Irani parte do povo [com poucas exceções] correram em procura do monge e prontificaram-se ao lado deste”, indicando os nomes de José Fabrício, seu genro Miguel Fabrício das Neves, Miguel Fragoso, José Alves Perão (José Felisberto), um com sobrenome Farias e “um moço quase negro, filho de Maria Borges, cujo nome ignora”. No dia do combate, Miguel Fabrício e Miguel Fragoso “abandonaram o Monge”, mas “até esta data [do combate] se achavam todos juntos ao Monge”. Fragoso, na ocasião, sendo convidado por José Maria para “bater as forças do Governo”, teria sido “contrário a esse banditismo”.

Mesmo não sendo “adepto do Monge”, era ele quem fornecia os gêneros aos que acompanhavam José Maria. Na tarde do dia 21 de outubro de 1912, véspera do combate, vendeu a “alguns jagunços” calçados e garrafas de cachaça. Desse modo, ficava sabendo do dia-a-dia no acampamento. Todas as noites, por exemplo, José Maria destacava um piquete para guarnecer “a entrada do mato que fica pouco distante”.

Poucos minutos após o tiroteio no Banhado Grande na manhã de 22 de outubro de 1912, José Fabrício das Neves chegara em seu armazém dizendo que “tinha havido um grande combate com as forças do Governo”. Depois pediu “um trago de cachaça” e se retirou “com o resto do pessoal, seguindo em direção ao Jacutinga onde mora”. Na ocasião, não soube dizer se o sogro Miguel Fabrício e o coronel Miguel Fragoso “tomaram ou não parte do combate”. Depois do entrevero “passaram na frente da casa do depoente diversos indivíduos das forças do monge”, mas não reconheceu nenhum, e não soube precisar de haviam ou não combatido.

No dia 23, antes de sair de casa para ir a Palmas informar as autoridades, fora surpreendido com a visita da “mulher de João Gualberto”. É o único momento do Processo em que essa informação aparece. Não li essa referência em nenhuma outra fonte. (Processo do Irani, fls 43-46)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O Contestado na lente de Marco Cezar (5)

Centro nervoso da revolta

A localidade de Taquaruçu pertence
atualmente ao município de Fraiburgo-SC.

Cruz feita de cedro na entrada da gruta
que protege uma fonte de São João Maria.


Antigo Cemitério de Taquaruçu.


Elevação de onde a Artilharia de Montanha
disparou seus canhões contra o reduto
de Taquaruçu (início de fevereiro de 1914).

Região do reduto. A tradição oral indica
que nas imediações do barraco estava o
armazém de Praxedes Gomes Damasceno.

Rio Taquaruçu. A memória oral na região
garante que o rio ficou cheio de cadáveres.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (24)

O entrevero do Irani - 3ª parte



Imagens do transporte do corpo do coronel João
Gualberto de Irani a Palmas-PR.
Acervo: Museu Histórico
Professor José Alexandre Vieira. Palmas (PR)



A versão de João Alves da Rosa

A mula que conduzia a metralhadora era guiada pelo anspeçada Rodolpho Severiano Paixão. "A noite estava bastante escura. Não se enxergava um palmo diante do nariz. Muitos policiais-militares riscavam fósforos para acertar o estreito caminho. Alguns civis usavam até velas com a mesma finalidade. Ao atravessarem um ribeirão cheio de pedras e avolumado pelas chuvas dos dias antecedentes, o muar assustou-se com a claridade da vela com a qual o tropeiro Roque procurava iluminar o carreiro, lançando a metralhadora e as bruacas dentro do riacho, enchendo estas de águas, areia e barro".

O comandante ficou "irado" e disse ao anspeçada Paixão a frase já citada por David Carneiro: "Você, Paixão, nem morto pagava o serviço que acaba de fazer". Paixão apontou o tropeiro Roque como culpado que, "sem pronunciar qualquer palavra, retirou-se cabisbaixo, abandonando a tropa".

A arma foi recolocada no lombo da mula, sendo resgatadas as bolsas de couro alguns metros rio abaixo. "Devido a pressa, não foi tomada a cautela de escorrer a água e retirar outros detritos do seu interior", um "desleixo", segundo o autor citado.


A marcha seguiu. Quando apareceram os primeiros raios de sol, um piquete tomou a dianteira visando cercar "as três casas existentes no lugar Banhado Grande, onde poderiam estar ocultos alguns asseclas de José Maria. conforme havia sido observado pelo lavrador João Pedrozo de Camargo. Pederam logo de vista a infantaria e aproximaram-se das casas. Quando apeavam de suas montarias, ouviram [...] um tiro ao qual não deram a mínima importância, supondo que tivesse sido disparado por um caçador".

A casa de Bento Quitério foi a primeira a ser revistada. Depois a segunda, logo abaixo, passando por um curso d'água, distante cerca de 150 metros. "Ali a tropa encontrou duas mulheres e sete crianças. Interrogadas, aquelas declararam que seus maridos estavam em companhia do monge". Tiros partiram das terceira casa, distante cerca de 200 metros, numa elevação, após outros riacho.

O tenente Busse chegou a tirotear com "oito a dez homens que corriam em direção oposta a mata. Alguns deles, de vez em quanto, paravam e, com os joelhos no chão, apontavam as armas e atiravam", sem atingir ninguém. "Era a guarda avançada do monge. Os jagunços serviam apenas de chamariz", anunciando o combate próximo. "O tiroteio cessou assim que os caboclos adentraram no mato". Soldados chamaram a atenção do comandante para alguns "vultos que pareciam mover-se entre as árvores". Foram feitos disparos nessa direção.

"Não supondo que iria ser atacado", João Gualberto "fez com que um praça fosse até a casa mais próxima a fim de trazer milho para os animais", retornando com um "balaio cheio de espigas. Logo, todos, inclusive João Gualberto, puderam-se a debulhá-las no próprio chão". Estavam nesse serviço quando "irrompeu, em coro, enorme gritaria. Notando aquela balbúdia infernal, o comandante caiu em si e, num relance, compreendeu que havia perigo". Retornou imediatamente para onde estava a cavalaria, distante dois quilômetros. "Os homens estão aí", disse à tropa, que seguiu na direção da casa de Bento Quitério.


Disposição da tropa por volta as 6h30
* Duas esquadras sob o comando dos alferes Sarmento e Libindo ficaram num alto em frente as casas dos Quitério. No meio a metralhadora, um pouco a retaguarda.
* A direita das duas esquadras havia dois piquetes de cavalaria.
* A esquadra do capitão Miranda foi deslocada cerca de 150 metros das demais facções, "sobre um morro ali existente".


João Gulaberto tentou pessoalmente fazer funcionar a metralhadora, auxiliado pelo alferes Sarmento, tendo se sentado no selim e efetuado disparos para os lados onde estavam o "fanáticos". O sargento Cantídio ajudou, puxando a fita pelo lado esquerdo. Mas só três tiros foram disparados e a metralhadora "quietou-se". Estava emperrada, travada. Vendo que não ia conseguir usar a arma, o comandante se dirigiu ao soldado João Francisco de Souza Oliveira e a outros, dizendo: "- Peguem as armas, meus filhos, pois estamos perdidos, mas tenham coragem".

"- Olha quanta gente! Ih! Comandante, como vem gente!"

A uns 700 metros a frente da tropa, "num abrir e fechar de olhos, começou a surgir uma verdadeira muldidão de caboclos que sem, o menor receio, começaram a avançar com uma espécie de furor". Cerca de 300 caboclos avançavam, sendo uns 100 na vanguarda a cavalo e o restante "vinha a pé, correndo e dando gritos alucinantes. Fazia frente ao ataque José Maria, acompanhado dos seus 'Doze Pares de França'". Mesmo "disciplinados e aguerridos", os policiais-militares "foram tomados de surpresa", e enfrentaram "aquele turbilhão de homens que vinha ao encontro deles, armados até os dentes e dispostos a tudo. Eles pareciam alucinados".

O coronel comandante ordenou fogo, mas apesar das descargas "os fanáticos avançaram sem trepidar e sem ter um momento de vacilação, provocando um verdadeiro pandemônio e fazendo com que os estampidos de suas Winchesters, garruchas, espingardas pica-paus e o som dos berrantes" que ecoavam "pela grotas adjascentes, estroando ensurdecedoramente. O efeito era estupendo!" João Gualberto insistiu com a metralhadora que teimava em não funcionar e, "mordendo-se de raiva", seguiu na direção das esquadras de infantaria, "onde lançou mão de uma carabina de um soldado ferido e passou a lutar" ao lado dos comandados.


Posição das tropas
* A infantaria estava em "posição deitada".
* A cavalaria usa os cavalos como escudos.
* Fogo "cerrado e forte": João Gualberto ordena que todos "deitassem corpos" sem deixar de atirar.


"As balas assobiavam por todos os lados, misturando-se os estanpidos com o relinchar assustado dos cavalos". Os caboclos "detiveram-se em franca defensiva, sofrendo vivíssima fuzilaria por parte dos milicianos". Foram breves momentos. Logo os caboclos se reagruparam e "passando por cima dos que caíam, avançavam cada vez mais, com grande alarido". A maior parte dos soldados, entretanto, atirava "sem alça de mira", buscando acertar o alvo a cerca de 200 metros.

Entre a tropa de policiais-militares e os homens de José Maria havia apenas uma "canhada funda por onde eles desapareciam, ficando completamente camuflados durante a sua passagem por ela". A fumaça das "velhas Comblains" obrigou a uma suspensão temporária do fogo até que ela se dissipasse um pouco. "A névoa que se desprendia dos banhados também acultava os atacantes".

Ao ressurgirem, continuaram sob "intensa fuzilaria". Mortos e feridos. Os caboclos "avançavam sempre como uma avalanche, com a coragem de quem não acreditava na morte". A fumaça aumenta, a pontaria fica cada vez mais difícil e os homens do monge avançam "sem piedade, forçando-se sob a linha de atiradores, e saltavam dos cavalos, aos gritos, como os índios selvagens, empunhando garruchas ou Wincherter na mão esquerda e na direita enormes facões, derrubando e acutilando a quantos encontravam".

Os policiais se defendem e a munição se torna escassa. O tenente Júlio Antônio Xavier, com um revólver, manda que o tropeiro Isaac [Izack] abra dois cunhetes de munição. O alfere Adolfito (Adolpho) e o próprio coronel ajudam a distribuir o reforço. "Os que esgotavam a munição corriam desesperados até os cunhetes que tinham sido abertos pelo tenente Júlio Xavier, continuando a atirar até se unir ao inimigo. Os que não tinham possibilidade de recarregar as armas lutavam a coices de carabinas ou procuravam correr, atolando-se no banhado, até serem alcançados pelos afiados facões dos fanáticos que os prostavam por terra".

O comandante ordena calar baionetas, mas "as armas obsoletas não fixavam na presilha os sabres, que saltavam longe aos primeiros tiros, obrigando algumas praças a rastajarem à linha de fogo" para apanhá-las. "Tão violento e brusco foi o ataque corpo-a-corpo, com disparos também a queima-roupa, que os oficiais comandantes dos piquetes foram forçados a tomar a defensiva". Os caboclos eram em número superior e em posição favorável. A situação dos policiais "era fatal".
Os "Pares de França" executam pela primeira vez "as suas diabólicas cabriolas de esgrimistas", tática "desconhecida" da Força Pública.

O coronel João Gualberto ordena em "altos brados" que o capitão Miranda unisse a direita pois "sua força está perecendo". E pergunta ao alferes Adolpho (Adolfito): "- Será que não vão mandar reforço?"

A cavalaria, montada, é atacada e fica sem munição. Os homens recuam até próximo das casas, procurando se defender com revolveres. "Asssim que a cavalaria [rebelde] rompeu o cerco, as esquadras de infantaria comandandas pelos alferes Sarmento e Libindo se viram obrigados a retroceder até uma cerca próxima, onde se encontravam o coronel Gualberto, o tenente Júlio Antônio Xavier, o comissário Nascimento Sobrinho e o Civil João Pedroso".

O alferes Adolpho (Adolfito), na retaguarda, avista o tenene Júlio Xavier e diz: "- Então, desta vez morremos todos. Não te sacrifique. Teu cavalo está ali". Enquanto isso a tropa do capitão Miranda ensaia uma ofensiva mas é obrigada a cessar fogo - devido a posição do terreno, os outros militares seriam atingidos. Do local onde estava, Miranda divisa "a extensão do desastre". Os caboclos, como "verdadeiras feras, se atiravam as balas e com os afiadíssimos facões, produziam uma carnificina na tropa miliciana". Lá embaixo, os soldados corriam "de um lado para outro e disparando contra os jagunços, mas de nada podia fazer para salvá-los, pois também estava sendo sitiado e sem munição".


A batalha está terminando, os caboclos avançam pela esquerda e a retaguarda, cercando os militares, quando o sargento Joaquim Virgilio da Rosa avista José Maria. Estava com uma chapéu de couro de jaguatirica e uma cruz verde no peito. Ele se destaca dos demais. O sargento "abateu-o com certeiros tiros de revólver", sendo atacado "por dois fanáticos". Um deles tenta ferí-lo por trás, mas é morto pelo tenene Busse. O outro caboclo o acerta com um facão, "derrubando-o de sua montaria, já agonizante", sendo abatido em seguida pelo soldado Antônio Felix Patrício. Ao contrário de desanimar os combatentes, a morte de José Maria "aviventou a insurreição cabocla".


A tropa foi "envolvida e atacada com tamanha impetuosidade e selvageria", que se desorganizou completamente a força.

O segundo sargento Luiz Pinto de Macedo e o cabo João Masteck estão perto do comandante, lutando. O primeiro morre, o segundo fica ferido. O soldado João Abló, "com um gemido que parecia vir das profundezas do peito, foi-se incluinando devagar para a frente e também tombou, qual árvore frondasa". O soldados Bento de Castro acertam um caboclo que persegue o sargento Hermínio da Cunha César, "derrubando-o por terra".

O alferes Sarmento, "com indômita coragem", se defende e não sente os golpes "que recebia pelo corpo ensaguentado". Fora atingido por uma "violenta cutilada no rosto, extirpando-lhe o olho direito". Com a "vista vazada, combalido como um morto sobre um lamaçal de sangue", caiusem sentidos."Um caboclo chegou perto do corpo inerte e levantou o facão para estraçalhá-lo", sendo impedido pelo soldado Romão dos Santos.

Ferido, alferes Libindo se refugia na floresta.

O cabo João Francisco Correia de Oliveira, atacado por dois caboclos, perde uma orelha. Para não ficar sem a outra, se defende com as mãos e tem os dedos da mão direita decepados."Gemendo de dor, pode, ainda, desvencilhar-se dos que o rodeavam e conseguiu penetrar na floresta".

O cabo Manoel Olavo Trigueiro e o soldado Patrício, acertam um caboclo que persegue o soldado Manoel Ribas da Paixão, "mensageiro do comandante".

Os dois lados "combatiam com heroísmo e denodo. A vitória, porém premiuava os fanáticos".


A morte de João Gualberto

Próximo a cerca onde se acha, recebe primeiro um tiro no peito. Tenta se defender dos ataques erguendo o braço esquerdo, enquanto mantém a carabina descarregada na mãos direita. A espada tinha ficado no cavalo. "Esquivando-se e cambaleando, chegou perto de uma árvore, onde recebeu os últimos golpes de facão, caindo sentado, coberto de sangue. Ai, seu corpo foi estraçalhado a ponto de não ser reconhecido".

"Segundo alguns historiadores, o golpe de misericórdia lhe foi desferido pelo fanático José Fabrício das Neves, sujeito muito odiado pela sua crueldade e que foi assassinado, anos mais tarde, na própria região do Irani". (Obra sem indicação de páginas)

Referência
ROSA FILHO, João Alves. Combate do Irani. Curitiba: Associação da Vila Militar, 1998.


A reação do Paraná

O corpo de João Gualberto permaneceu cerca de dois dias no antigo cemitério do arraial, hoje Cemitério do Contestado, que integra o complexo do futuro Parque Temático do Contestado em Irani. Foi exumado pelo médico Assis Gonçalves, que integrou uma comissão de caçadores do Tiro Rio Branco que foi ao Irani resgatar o corpo, sendo levado a Palmas, depois Curitiba. Na capital paranaense a câmara mortuária foi armada no dia 30 de outubro na Prefeitura Municipal, aonde o caixão chegou no dia 6 de novembro. Chovia muito. “Os funerais se revestiram de verdadeira apoteose” (ROSA FILHO, 1998).

A comoção foi ainda maior devido à influência que jornais como o Diário da Tarde tiveram naqueles dias, como mostra Lis Andréa Dalfré. “A imagem do militar, já vinha há algum tempo sendo construída pela imprensa”, diz, se referindo a João Gualberto, “fator que pode ser verificado por meio das diversas notas referentes ao seu comando no Tiro Rio Branco”. Ao dirigir o Tiro, obteve o primeiro lugar na parada militar de 7 de Setembro, no Rio de Janeiro, o que “lhe conferiu popularidade entre os militares e políticos paranaenses”, observa Dalfré. O governador Carlos Cavalcanti chegou a pensar nele para a Prefeitura de Curitiba, o que “desagradou os seus correligionários”, sendo então indicado para o comando do Regimento de Segurança (Polícia Militar) do Paraná (DALFRÉ, 2004, p. 63).

A cobertura da imprensa incluiu desde as primeiras notícias do aparecimento de José Maria no Irani, até o combate, morte de João Gualberto e o enterro. Fotos publicadas por Dalfré mostram grandes massas concentradas no embarque das tropas rumo a Palmas e no sepultamento. A derrota no Irani motivou uma série de notícias “que delegaram aos militares a imagem de heróis, contrapondo com personagens considerados violentos e sanguinários”, salienta a mesma autora. Os mortos foram “apresentados de forma dramática, sensacionalista, auxiliando na construção de uma memória coletiva”, buscando sobretudo “demarcar osnlimites territoriais, regionais de sua identidade” (DALFRÉ, 2004, p. 63-64).

“Bandoleiros hirsutos”, “horda de bandidos”, “bando de faccínoras”, são alguns adjetivos usados pela imprensa na época, anotados por Dalfré. José Maria era um “perigoso homem” que explorava “ignorantes caboclos”. Além disso, Miguel Fragoso, Miguel Fabrício das Neves e José Fabrício das Neves (apelidado de Juca Fabrício pelos veículos de comunicação do Paraná), são apontados como dirigentes do movimento. “Estes homens, em relação aos quais foi levantada a hipótese de liderança na batalha contra as tropas paranaenses”, são apontados, a exemplo de José Maria, como “perniciosos”. Miguel Fragoso é chamado de “caudilho” e “terrível bandoleiro” (DALFRÉ, 2004, p. 79-80). Os rebeldes, como destaca Weinhardt (2002, p. 41), “não são considerados inimigos de guerra, mas traidores e traiçoeiros, traidores da pátria e traiçoeiros porque não lutaram lealmente, isto é, segundo as normas dos estrategistas europeus” e, por isso, não merecem respeito. “À proporção que se eleva o tom dos elogios às vítimas, eleva-se igualmente o tom acusatório”.

A sensação que fica da leitura de tudo isso é que os rebeldes não podiam reagir ou se defender, devendo aguardar com paciência que a metralhadora levada por João Gualberto fosse descarregada em rajadas. Os que sobrevivessem seriam amarrados e levados para um desfile nas ruas de Curitiba. Os militares que deixaram a capital paranaense foram capturar “bandidos” e não combater inimigos.

Referências
ROSA FILHO, João Alves. Combate do Irani. Curitiba: Associação da Vila Militar, 1998.
DALFRÉ, Liz Andréa. Outras narrativas da nacionalidade: o Movimento do Contestado.
2004. 154f. Dissertação (Mestrado em História) - Curso de Pós-Graduação em História, Setor
de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004.
WEINHARDT, Marilene. Mesmos crimes, outros discursos? Algumas narrativas sobre o Contestado. Curitiba: Ed. UFPR, 2002.


Cenas do enterro de João Gualberto

Acervo: Sérgio Rubin. Reproduções: Dario de Almeida Prado.


Depoimento de Zeferino Antunes de Andrade
Processo do Irani, folhas 96-98 (inquérito)

Palmas-PR, 8.11.1912. Zeferino tinha 36 anos, casado, lavrador, nascido no Rio Grande do Sul, residente no Jacutinga, filho de Manoel Antunes de Andrade, sabia ler e escrever.

No dia 12 de outubro (1912), “passando pelo Faxinal dos Fabrícios, viu, em casa de José Fabrício, um grupo de quarenta e tantas pessoas, capitaneado pelo Monge José Maria”, com quem conversou, “dizendo o Monge que tinha sido perseguido em Curitibanos por Francisco de Albuquerque, passara para este Estado, com o seu pessoal, afim de, no Faxinal, dar um descanso aos seus cavalos, para depois seguir para Mato-Grosso”.

José Maria convidou “o respondente e seus companheiros, em número de quatro, para se incorporarem ao grupo dele Monge, que devia seguir no dia seguinte, para o Faxinal; escusando o respondente esse convite, dizendo na ocasião ao Monge, que ali andava em diligencia policial, na qualidade de Inspetor de Quarteirão daquele distrito, e, que o Sub-comissário [...] tivera ciência daquele grupo, isto é, da existência ali daquele grupo armado, forçosamente haveria de tomar providencias no sentido de dispersa-lo”.

Nessa ocasião, soube “que José Fabrício tinha ido de próprio do Monge chamar a Miguel Fragoso”, tendo se retirado do local em seguida, indo no outro dia até a casa do sub-comissário de Polícia, a quem comunicou "que na referida casa achava-se um grupo armado, capitaneado pelo Monge”. Em vista disso, o sub-comissário se dirigiu a Palmas, informando o comissário de Polícia dos fatos, sendo orientado a fazer esforços para evitar que o pessoal de seu quarteirão aderisse.

Ao retornar, foi “detido pelo Monge, no acampamento deste, onde permaneceu esse dia inteiro, tendo sido posto em liberdade no dia seguinte”. O sub-comissário de fato se empenhou em tentar evitar a adesão ao monge em seu quarteirão. Na tarde de 22, achava-se em casa “quando soube que no Banhado Grande do Iranÿ”, tinha havido o combate e “morrido muita gente”. Soubera disso por um compadre seu, (nome ilegível) “que disse-lhe ter se encontrado com esses indivíduos que tinham escapado do combate e que se achavam ao lado do Monge”. Como eles estivessem com pressa, não puderam contar detalhes do ocorrido; eram sujeitos desconhecidos.

Todos os fatos foram relatados ao sub-comissário pelo "respondente." Imediatamente o sub-comissário ordenou que Zeferino “reunisse algumas pessoas de seu quarteirão para irem até o lugar do combate, afim de verificar o que havia ocorrido”. Zeferino reuniu 25 homens e “em companhia daquela autoridade, foram ao Banhado Grande, onde chagaram no dia 24. Encontraram 21 cadáveres, “espalhados pelo campo”, sengo reconhecidos João Gualberto, o sargento Virgílio da Rosa (autor da morte de José Maria) e oito soldados, “assim como dez paisanos mortos a bala". Viu que “num cercadinho próximo estava morto o célebre Monge José Maria, que apresentava um ferimento no peito, produzido por bala.”

Essa movimentação foi observada de longe por “José Fabrício, Emiliano Glória e Raphael de Brun, tendo este contado ao respondente o resultado do combate dizendo ter feito parte deste ao lado do Monge, e que Brun dissera mais [...] que ao lado de José Fabrício ele Brun brigou muito, dizendo que tinha morrido muita gente [...]”. Como Inspetor de Quarteirão, Zeferino “lembrou-se de prender Brun, mas, que não efetuou a prisão por achar-se desarmado e também por saber que Brun tem em casa armamento de guerra”.

Zeferino relatou esses fatos ao sub-comissário, dizendo que Brun ainda estaria em casa “doutro lado do Jacutinga”. O respondente ouviu falar que um "Zuzima de Tal" e Pedro Silveira estavam ao lado de José Maria no combate, “todos moradores no seu quarteirão, sendo que Zuzima, segundo consta, saiu ferido”, o mesmo ocorrendo com Antônio Leal (ferido, lutou ao lado de José Maria).

Recordava ter visto no dia 23, “quando andou reunindo gente por ordem do sub-comissário, um grupo de treze pessoas quando passavam no lugar denominado Lageado Bonito”. Esses homens, segundo lhe contaram, "tinham estado no combate ao lado do monge” e se dirigiam a Curitibanos “de onde tinham saído em companhia do Monge”. Que no combate havia "morrido muita gente”. Todos eles estavam montados e bem armados, com muitos cargueiros. Temendo que eles agredissem o sub-comissário local, “que vinha atrás, a pequena distância do respondente”, Zeferino disse que o sub-comissário estava chegando com muita gente, ao que deixaram o local em disparada, seguindo “na direção da casa de José Fabrício”.