sábado, 13 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (23)


O entrevero do Irani - 2ª parte

Metralhadora levada para o Irani e que não funcionou.
Acervo: Museu da Polícia Militar do Paraná. Fotos: J. L. Cibils.

Hiram Maxim, o inventor. Fonte: Wikipedia.

A versão de David Carneiro

No meio da madrugada do dia 23 de outubro de 1912, João Gualberto reuniu seus homens para o ataque, chamando a atenção de todos para "os perigos que iam correr" e "lembrou a todos os deveres em face da Pátria". Acrescentou que "todos ali representavam a ordem, o que se queria era impor a lei". Por volta das 3h30 a força iniciou a marcha. João Gualberto contava com 73 homens.

O autor fala em "traição" da parte do coronel Domingos Soares. "Traição deliberada ou traição inconsciente; de fato houve traição". E o comandante da força paranaense "foi vítima de uma armadilha terrível, e emprevisível de sua parte porque a boa fé jamais percebe má fé nos atos de outros, quando os sentimentos são dissimulados". Um exemplo é o "tropeiro Roque", do qual não obtivemos o sobrenome. Foi ele quem, na travessia de um curso d'água, à noite, acendeu uma vela para iluminar o caminho, assustando a mula sobre a qual estava a metralhadora. A arma caiu na água e mais tarde, na hora de ser usada, travou.

Diz o autor sobre o episódio que a marcha seguia lentamente e sem incidentes, até que "num córrego arenoso com um movimento brusco da mula, que se assustou com uma vela (acessa para a verificação do caminho), a metralhadora e a caixa de fitas da mesma, caem n'água". Gualberto se aproximou do cabo Paixão, responsável pela condução do animal e "disse-lhe asperamente: - 'Morto agora, você não me pagava o que fez'". Paixão respondeu: "A culpa foi do caboclo que assustou a mula, sr Coronel".

A marcha seguiu. O pirquete do tenente Busse foi na frente e "já se divisavam três casas que supuseram ser de caboclos". [As residências de Bento Quitério e seus familiares]. Carneiro também cita o fato de Soares e Octávio Marcondes, que haviam seguido com a tropa até certo ponto, terem desaparecido. "João Gualberto ainda não suspeitou da traição, mas certo de que haviam desaparecido por medo, esclamou: - 'Por certo fugiram!' Ia João Gualberto enganado, a caminho do desconhecido".

A certa altura ouviram um disparo. "Um caçador? Sinal de alarma?". O comandante deixou a metralhadora na retaguarda. A infantaria seguiu de longe o piquete do alferes Adolfito que, por sua vez, seguia o do tenente Busse. "Assim atingiram a clareira, rodeada de mato, com um raio de um quilometro". Próximo a porteira das casas, "a vanguarda foi recebida pelo fogo de uma guarda avançada dos fanáticos, composta talvez de 10 homens e vindo do outro lado do mato". A força respondeu ao fogo. O tenente Busse se aproximou das casas, "onde foram encontradas somente mulheres e crianças, segundo alguns depoentes, ou várias segundo outros". [Confira os depoimentos dos Quitério na postagem José Fabrício das Neves (18)].

João Gualberto interrogou pessoalmente os moradores (fez uma "meia devassa", segundo Carneiro) e ouviu como resposta que "os homens estavam todos no acampamento do Monge. Tudo o mais que disseram não foi aproveitável". O comandante, o tenente Busse e seus homens retornaram às posições de combate. A metralhadora foi instalada "junto a casa de um tal Bento, numa elevação do terreno". Os disparos seriam dirigidos "para o lugar por onde haviam saído em fuga os homens da guarda avançada".

Esta seria a ala direita do combate, "apoiada no banhado que ficava a direita, e transponível por uma pequena estiva conhecida somente pelos vaqueanos, moradores da região, e por onde chegariam de frente as forças do monge. A velocidade de tiro da arma automática devia equilibrar a capacidade de fogo da ala esquerda e mesmo sobrepujá-la de muito". O coronel do então Regimento de Segurança do Paraná mandou que o sargento Cantídio carregasse a metralhadora com uma fita de dois mil tiros. Em seguida determinou que "os capotes fossem colocados nos cargueiros, e montado no selim da metralhadora experimentou a arma com alguns disparos, tendo ela funcionado a contento. Segundo outros depoentes essa experiência teria sido feita pelo alferes Sarmento".

Uma esquadra sob o comando de Libindo guarnecia a metralhadora, no centro. A ala esquerda avançou para um fachinal sob o comando do capitão Miranda. A cavaleria recebeu ordens de avançar, tomando posição a direita de Miranda - sob o comando de Busse com apoio da esquadra de Sarmento.

"Na previsão de que os fanáticos fossem em grande número, João Gualberto concentrava a maior potencia de fogo na ala direita onde viria o grosso chocar-se. Eles veriam naturalmente o reduzido número de atacantes e tentariam envolver esse apoio, desbordando, afim de transporem o banhado. Nesse instante, o fogo da ala esquerda entraria com o seu coeficiente, visto que os que fizessem o desbordamento deviam passar por duas vezes na frente do capitão Miranda, colocado com sua força na extrema esquerda, e a derrota do monge estaria certa, mesmo que fossem os seus partidários em número de quinhentos ou mais".

O alferes Adolfito recebeu ordens de avançar pelo centro e abrir fogo. Uma linha de atiradores foi disposta no terreno. "Nesse instante surgem os fanáticos em massa, alguns a pé, muitos a cavalo, e há um violento tiroteio em que toda a força toma parte". Segundo "os mais calmos depoentes", cerca de 100 homens a pé "investiram pela estiva", outros 150 estavam a cavalo. "Parte dessa força fez o desbordamento passando por fora do banhado".

Foi também nesse momento que a metralhadora engasgou. João Gualberto tentou de várias formas fazê-la funcionar até desistir. "Tomou o fuzil do soldado Caldeira, que fugiu, e com essa arma fez fogo". Havia muita fumaça. A visibilidade era mínima. Os militares receberam ordens de calar as baionetas. O capitão Miranda ouviu um grito do comandante: "- Miranda una a direita, que sua força está perecendo!"

Quando o oficial tentou a manobra, "os fanáticos investiram pela estiva, e enquanto a cortina de fumaça impedia a visão dos soldados, os fanáticos avançaram firmes sobre a colina da casa do tal Bento, enquanto outros davam a volta passando duas vezes o fachinal onde estava Miranda, sem que da ala esquerda se ouvisse um tiro". A partir desse momento começou o entrevero. Os caboclos usavam "afiadíssimos facões, gritando uma série de tolices entre as quais era possível distinguir as palavras: 'Senha! Regimento!' (Regimento foram a senhadada aos soldados, na véspera, senha que imediatamente foi conhecida pelos fanáticos). 'Baianos! Caracoles!' e o estribilho 'Mata!'"

Durou cerca de meia hora. Num terreno que conheciam palmo a palmo, segundo David Carneiro, no meio de uma "formidável confusão" e muita fumaça, "os fanáticos atacaram rijamente a pequena força da polícia" - 21 homens de cavalaria, dois oficiais, 40 homens de infantaria e 8 da metralhadora. Os homens da cavalaria apearam e entraram na luta. O alferes Júlio Xavier "de revólver em punho, ordenava a abertura dos cunhetes de munição. A força que estava junto ao Cel. João Gualberto reclamava aos gritos: - 'Munição! Munição!'".

Com alguns pacotes da munição recebida, levando a pistola descarregada no cano da bota. o comandante gritava: "- Avança! Fogo! Fogo!." Já estava ferido. "Tinha sido atingido por uma bala no torax, lado direito".

"Aos poucos o centro foi sendo obrigado a recuar, porque a ala esquerda ficara inativa ou desaparecera da ação". Recuaram até a orla da floresta, onde os cavalos estavam amarrados. "Daí, sem munição, os que não morriam ou não caíam feridos dispersavam no 'salve-se quem puder'".

O alferes Sarmento, ficou "gravemente ferido por um profundo golpe de facão na vista esquerda e todo ensanguentado", enquanto o tenente Libindo se arrasta para o local onde estivera o capitão Miranda que "desaparecera com os seus, sem tomar parte no entrevero". O sargento Cantídio e outros jaziam no chão. O tenente Júlio Xavier, já montado, chamou o alferes Adolfito para juntos deixar a área do combate. O tenene Busse que estava no centro sustentando fogo, retrocedeu com seu piquete, para o local onde estava a munição.


A morte do coronel

O coronel João Gualberto está junto a uma cerca e se defende com a mão esquerda, segurando na outra um mosquetão Comblain. Ele se bate como pode, "com inigualável bravura, vendo aproximar-se o momento épico de morrer pelo Paraná". Está ferido no peito, enfraquecido pela perda de sangue. Ele desce "a crista, em direção a barroca" atrás da casa de Bento Quitério. Ele se defende mas acaba caindo. Está próximo a um pé de pessegueiro brabo, sentado e coberto de sangue. Ele apenas se defende. Os demais fugiram.

Ele tenta se defender dos golpes de facões usando os braços. O punho apresenta vários cortes. Agora ele está cercado por cerca de uma dúzia de caboclos. Eles discutem se lhe matam ou não. "Nessa ocasião, um assassino, José Fabrício das Neves, tomou a iniciativa: 'Saiam todos que eu cabo dele!'" O coronel já está indiferente do que se passa em volta, olha "sem ver" os cadáveres, mas certamente ouve os ruídos da luta. Ele murmura alguma coisa, uns dizem ter sido "- Minha filha!...". Duas lágrimas "silenciosas lhe rolavam pelas faces abatidas".

O fim chegara. "O assassino Fabrício das Neves, deu-lhe então um golpe de graça, profundo, no frontal, provocando o movimento instintivo do moribundo, de levantar os dois braços para ainda defender a cabeça encanecida e descoberta".

Segundo David Carneiro, nove homens morreram e doze ficaram feridos. Entre os mortos estava o sargento Virgílio que, ao divisar José Maria no meio do combate, o abatera. "Na ocasião em que os bandidos avançavam, [Virgílio] reconheceu no meio deles o monge, com chapéu de pelo de tigre enfeitado com uma cruz verde. Chamou a atenção do Cel. João Gualberto para a sua figura e eliminou-o com vários tiros de pistola".

José Maria estava no chão, morto, quando o sargento Virgílio tentou decepar sua orelha, sendo impedido por caboclos que "o cortaram em pedaços, a facão, fazendo o mesmo ao cavalo" que ele montava.

"Causas" do "desastre do Irani".
David Carneiro não considera a falta de chegada de reforço como motivo da derrota.
1) Deficiencia do armamento usado pela tropa: a) a metralhadora não funcionou; b) os sabres punhais das carabinas Comblain "caíram com os tiros dados, impedindo a defesa extrema a baioneta"; c) excesso de fumaça permitiu o avanço dos caboclos em terreno que conheciam e impediu os tiros certeiros da força.
2) "Deficiência (se outro nome não se deva dar a isso) com que agiu a ala esquerda". Se o pelotão tivesse agido, poderia ter suprido a ausência da metralhadora. "Houvesse a metralhadora funcionado, e o Irani seria um triste incidente na vida do Estado, incidente que ficaria marcado pelo sangue de numerosos fanáticos sacrificados a ambição de um desequilibrado". (p. 265-274)

Referência
CARNEIRO, David. Duas histórias em três vidas. Curitiba: Papelaria Universal, 1939.


Região onde se travou o combate
de 22 de outubro de 1912 no Irani-SC.

Depoimento de Manoel Isack de Oliveira
Processo do Irani, folhas 65-67 (inquérito)

Palmas-PR, 3.11.1912. Manoel Isack (escrito Isaac por alguns autores) estava com 30 anos, casado, lavrador, natural de Santa Catarina e residente em Caçadorzinho, filho de Isack dos Santos Souza, sabia ler e escrever.

Soube em outubro [1912] do aparecimento de um monge no Faxinal dos Fabrícios, tendo ido ao local “verificar se de fato existia aquele homem”. Ao chegar, “viu um homem na janela da casa de Miguel Fabrício”, verificando ser o monge, que ali estava acampado. Havia homens armados de Winchesters. Soube que o monge tinha vindo de Campos Novos, acompanhado por 40 homens.

Isack retornou outras vezes. Numa “ocasião”, conversando com o monge, foi convidado a “acompanhar ele e brigar, não dizendo com quem”. Depois disso Isack foi embora, “visto ter verificado que o tal monge não era o afamado João Maria”. No dia 21 chegou a sua casa uma força do Regimento de Segurança (cavalaria e infantaria), sob o comando do coronel João Gualberto. O comandante contou a ele que “ia com aquela força efetuar a prisão do célebre monge José Maria”, convidando-o a atuar como vaqueano das tropas, o que foi aceito.

Às 3 horas na madruhada do dia 22, seguiram “para o Irani”. Isack foi na frente. Ao chegar no Banhado Grande, a força foi atacada “por indivíduos que faziam parte do grupo do monge”. Diante disso o coronel Gualberto, que estava à frente, “ordenou que a infantaria avançasse, mandando estender em linha de atiradores”, além de mandar montar a metralhadora. Testou, ela funcionou inicialmente, mas depois ficou “engasgada”. Após abandonar a arma o comandante foi “para a linha de tiro e mandou que fosse feito descargas cerradas em direção ao mato próximo de onde o respondente viu surgir grande quantidade de homens montados e outros a pé”. Viu “perfeitamente quando a cavalaria do monge avançou sobre as praças da linha de tiro” e, diante do perigo e temendo “ser reconhecido”, Isack foi para casa.

Com ele chegou um corneteiro da Polícia, com diversos ferimentos. No dia seguinte apareceu um cabo “com grande ferimento nos olhos”. Depois surgiu outra praça com ferimento num braço. Eles não sabiam quantos tinham morrido, nem o destino de João Gualberto. No dia 24 ou 25, o sub-comissário de Polícia de Rio do Peixe foi ao local do combate e “aí sepultou todos os cadáveres que ali se achavam”. Soube disso quando, ao se dirigir para sua casa, sendo obrigado a passar pelo local, aproveitou para “verificar se de fato o monge estaria morto", encontrando o dito sub-comissário “em companhia de alguns homens, dando sepultura aos cadáveres”.

Isack “verificou que o célebre monge estava morto dentro de uma [...]”. “...quase sobre o banhado estava o cadáver do coronel João Gualberto”, que foi levado para o cemitério próximo. Isack calcula que a força do monge era composta por “trezentos e tantos homens”. Estavam com fita branca no chapéu: Miguel Fabrício, Thomaz Fabrício, Manoel Barreto e "Maurílio de Tal (vulgo Pepino Branco)". E “por ouvir dizer de algumas pessoas sabe que José Fabrício e José Felisberto tomaram parte no combate ao lado do Monge”. Na manhã de 22, lhe disseram que “Miguel Fragoso tinha abandonado o Monge, antes do combate, indo com algumas famílias para o Jacutinga onde mora”.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O Contestado na lente de Marco Cezar (3)

"Contestado – Vida e realidade"
Grupo "Sangue Jagunço"

Fraiburgo (SC) - Novembro de 2007



















Márcia, Kiko e Edson de Lorenzi, coordenadores do espetáculo.


O fotógrafo Marco Cezar no
Museu de Caçador-SC, novembro de 2007.

Inverno no Irani-SC (julho de 2007).



quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (22)

O entrevero do Irani - 1ª parte




Cemitério do Contestado, Irani-SC. Novembro de 2007


Croqui do combate de 22 de outubro
de 1912 no Irani. Fonte: David Carneiro.

Itinerário de duas expedições militares
ao Irani-SC. Fonte: Demerval Peixoto.

Vimos anteriormente que o coronel Domingos Soares, então prefeito de Palmas-PR, funcionou como um negociador da paz, tendo ido pessoalmente ao acampamento de José Maria nas terras de Miguel Fabrício das Neves. Pois bem! Quando retornou no final da tarde do dia 21 de outubro de 1912 ao encontro de João Gualberto, este já o o aguardava a poucos quilômetros do Banhado Grande. No depoimento de Domingos Soares tivemos alguns detalhes das conversações que os dois mantiveram.

Autores paranaenses como Fredericindo Mares de Souza e João Alves Rosa Filho, por exemplo, confirmam esse papel de negociador assumido pelo coronel de Palmas. Soares falou-lhe com a máxima lealdade sobre o que viu e ouviu. Procurou "demovê-lo de atacar o grupo”, mas os “seus esforços foram baldados”, pois “o afoito comandante estava de plano feito e não deu mais atenção ao velho político de Palmas” (SOUZA, 1987, p. 117).

Segundo o outro autor, Domingos Soares informara a João Gualberto que José Maria só precisava de garantias para retornar a Santa Catarina, “com os 40 homens que vieram com ele, dissolvendo, conseqüentemente, o reduto que era composto de paranaenses”. Queria um prazo de 24 horas para fazer a retirada, “tendo em vista que seus cavalos estavam espalhados pelo sertão e não podia reuní-los de um momento para o outro”. Forneceu detalhes quanto ao número de homens com o monge, armamento, procedimentos, e as “péssimas condições do local e as possibilidades de uma emboscada”. Outros que estavam com Domingos Soares fizeram o mesmo apelo, mas João Gualberto não recuou (ROSA FILHO, 1998).

Ele já havia sido ríspido numa discussão “acalorada” com o desembargador e chefe de polícia Vieira Cavalcanti, no momento em que dividira as tropas que comandava, seguindo ao encalço de João Maria com um contingente menor (SOUZA, 1987,p. 110). Naquele final de tarde do dia 21 de outubro de 1912, Soares disse a João Gualberto que não iria acompanhá-lo, ouvindo: “Pois coronel Soares, faça de contas que estamos de relações cortadas, e vou sempre assumindo toda a responsabilidade. O senhor nada tem com isso”. (ROSA FILHO, 1998).

E foi assim que João Gualberto partiu para o ataque no início da manhã de 22 de outubro de 1912.

"Carga dos Fanáticos". Óleo de Willy Zumblick (1956).
Acervo: Biblioteca Pública de Joinville-SC.


Cenas de um combate (anotações de leitura)

A versão de Euclides Bandeira

Os "fanáticos" não pretendiam "entrar em luta com as forças, tanto que mandaram pedir ao comandante da tropa que se aproximava, algum tempo para se destroçarem pacificamente. Mas, um só momento não fora consentido aos fiéis de José Maria. Ao contrário: as cordas, que tinham sido levadas para amarrar os prisioneiros, foram rápidamente desembaraladas das garupas dos cargueiros".

Bandeira diz que ao ser atacado "o acampamento estava em reza e em reza permaneceu depois de serenado o ligeiro rumor produzido pela tropa que chegava precipitadamente". Assim, "logo ao primeiro impeto da força os jagunços que não possuíam grande quantidade de munição, detiveram-se algum tempo em fraca defensiva, sofrendo vivíssima fuzilaria por parte dos atacantes. De repente, investiram a facão, a foiçadas e a machadadas, em lances furiosos, vindo ao encontro corpo e corpo dos policiais que já se abeiravam dos abarrancamentos, num entrevero encarniçado".

Cabe destacar que entrevero é o combate com arma branca e, "qual uma verdadeira falange de loucos, os matutos se arrojaram sobre os soldados. Os Pares de França puseram em execução, pela primeira vez, as suas diabólicas cabriolas de esgrimistas". E a cada "crente tombado na sangrenta mistura, cumpria o seu juramento, via três e quatro combatentes cair mutilados antes do seu corpo derrear. Os jagunços passaram, instantaneamente, sem que contassem os atancantes. da frouxa defensiva a uma ofensiva violentíssima, desesperadora e cruel".

Terminado o combate, com as mortes de João Gualberto, José Maria e outros, como veremos adiante, houve uma debadada da força. "A retirada não pode, entretanto, despir dos característicos de uma debandada deastrosa porque, além das vítimas deixadas no campo, algumas armas ficaram em poder dos sertanejos". (p. 128-130)

Referência
BANDEIRA, Euclides. Respingos Históricos. Curitiba: Tipografia Favorita, 1939.


Marcha de João Gualberto para Irani.
Porto União-SC. Foto: Claro Gustavo Jansson


Depoimento de Antônio Pinho Ribas
Processo do Irani, folhas 51 e 52 (inquérito)

Palmas-PR,1º.11.1912. Tinha 34 anos, solteiro, negociante, natural da Lapa-PR (onde residia), filho de Torquato de Pinho Ribas, sabendo ler e escrever.

No dia 22 de outubro de 1912, esteve no Irani a convite de João Gualberto, tendo assistido “ao combate renhido entre as forças do Governo, que era em número de 50 praças, mais ou menos, contra o grupo de fanáticos comandados pelo monge José Maria”, que ele calcula em “duzentos e tantos homens”. O tiroteio começou às 7 horas, “mais ou menos”, “e durou cerca de meia hora”.

Antônio “viu quando os fanáticos armados de facão e arma de fogo, avançaram sobre as fileiras, comandadas pelo coronel João Gualberto, matando e ferindo a torto e a direito”. A certa altura, “vendo o perigo iminente em que se achava, convidou a Amazonas Pimpão e retiraram-se do lugar do combate, tomando a picada em direção a São João [...].” No caminho encontrou o tenente Júlio Xavier. Este o informou que “a força do Governo estava quase perdida, pois que os fanáticos estavam de posse da situação [...]”.

Disse ter ouvido de Domingos Soares que Miguel Fragoso e Miguel Fabrício estavam no acampamento do monge e “faziam parte do grupo deste”, não sabendo se haviam ou não tomado “parte do combate”. No dia 23, Antônio soube que o coronel João Gualberto havia morrido na luta, além do “célebre monge”. Entre os policiais havia 10 mortos, segundo o depoente; da parte do monge morreu “grande número de pessoas”.

Durante o combate presenciou que “das descargas, que eram firmes, e continuadas, via-se baixar muitos cavaleiros”. Os fatos também foram presenciados por Amazonas Pimpão “e um camarada deste” [...]. Acredita que o monge tivesse 800 homens a seu lado, o que ele “ouviu, por diversas vezes” de pessoas que conheciam o acampamento do monge. José Maria gozava de simpatia “entre os moradores da zona de Irani”.


O Combate do Irani. Acervo: Museu da PMRS.
Reprodução: J. L. Cibils.



Depoimento de Francisco Carneiro
Processo do Irani, folhas 106 e 107 (inquérito)

Palmas, 13.11.1912. Tinha 26 anos, solteiro, lavrador, filho de João Marques Carneiro, natural e residente em Clevelândia, lia e e escrevia.

No dia 18 de outubro (1912), ele e seu irmão Antônio Carneiro estavam de pouso na casa de Felippe Bueno, no Coxilhão, quando o coronel João Gualberto os chamou para conduzirem a sua tropa até o Irani. Ajeitadas as coisas e combinado o preço, seguiram. Fizeram pouso na Fazenda do Alegrete. No dia seguinte foram para São João de Irani, chegando às 17 horas. No dia seguinte, acamparam em Caçadorzinho, de onde saíram às 3 horas do dia 22, chegando no Banhado Grande às 6h30 (“mais ou menos”). Foi "onde então deu-se renhido tiroteio” entre as duas forças.

Ele e seu irmão abriram a facão os cunhetes de munição para entregar a “força que se achava colocada em linha de atiradores sobre uma casa, próxima ao caminho”. Os dois puderam abrir apenas três cunhetes (caixas), pois logo “um grupo de cavaleiros, em número de 200 e tantos, saíra, repentinamente, de uma mata próxima e avançaram sobre as fileiras do Governo e travaram luta a ferro branco, pois o tiroteio feito pela força do Governo era serrado e continuado, sendo todas as descargas feitas com rapidez”.

O depoente viu “jagunços caídos atingidos por balas, assim como lembra-se de ter visto o coronel João Gualberto receber um balaço desfechado pelos jagunços" que, em número de seis, avançaram sobre ele. Na ocasião do ferimento do comandante, o depoente viu “um moço” que naquele momento reconhece como sendo o comissário Nascimento- que conduziu o inuquérito do combate.

Durante o entrevero os dois irmãos se retiraram em direção a Palmas e em Caçadorzinho, encontraram o tenente Busse e o alferes Adolfito, “que saíram do combate com o respondente”, acompanhados de “três ou quatro praças”. Recorda ter visto “um moço a paisana puxar seu cavalo e dar ao coronel João Gualberto que tentou montá-lo, não o conseguindo mais”.

Ao se retirar do local do combate o respondente “deixou o comissário Nascimento de arma em mãos atirando sobre os agressores do comandante”. E viu a seu lado “e na frente do comandante diversos soldados mortos”. Na retirada o respondente ouviu um soldado dizer o seguinte: ‘Ao menos o Monge morreu’”. Não soube informar as pessoas que lutaram ao lado do Monge, pois era primeira vez que ia ao Irani.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O Contestado na lente de Marco Cezar (2)

“Contestado – Vida e realidade”
Grupo “Sangue Jagunço
Fraiburgo-SC - Novembro de 2007















Marco Cezar no Cemitério do Contestado (Irani-SC).