sábado, 15 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (11)

Antônio Martins Fabrício das Neves (Irani, 7.9.2007). Foto: Marco Cezar



(3ª parte)


Final da entrevista de Antônio Martins Fabrício das Neves a Eunice Cadore Franzack e Delsi Fries (Grupo Resgate do Museu Histórico de Concórdia-SC) em sua residência na Fazenda Bela Vista (Irani-SC) em 17 de outubro de 1990. Abaixo os principais trechos da entrevista, tal como foi transcrita. As informações entre colchetes são minhas.


E os últimos anos do José Fabrício das Neves foram aonde?

Foram aqui, aqui em Concórdia.


Vividos na Vila Concórdia e na Vila?

É, aqui e lá como eles diziam, lá era o rocio eles diziam naquele tempo e aqui era as fazendas, que essa fazenda de Irani aqui era tudo dos Fabrício.


Por sete anos, quando o exército esteve aqui, eles se beneficiaram de alguma forma da, das famílias, dos Fabrício das Neves?

Não. Até nesse ponto a mulher, o pessoal, os velinhos que ficaram por aqui elogiaram muito os soldados, o comandante do, do piquete que ficou, não era muito, e eu cheguei a conhecer os soldados, mas era em torno de uns trinta, trinta, quarenta, mas nunca houve uma intervenção nenhuma por parte dos soldados, muito respeito, ali eles usaram muita, muita gentileza com o povo do mato não se ouviu falar nada, nada, nada, nada, só naturalmente... vieram trocados, então ficavam um mês, uma turma ia para lá voltava outra, então o povo não tinha muito conhecimento, isso já era um ponto de vista muito bom do, do Governador de Curitiba né, que mandava aqui, que não deixava ter muito conhecimento então logo ele cortava, então ocorreu muito, muito, muito quieto, muito em paz aquilo ali, não ouvi nada de lado nenhum, houve muito respeito dos dois lados.


E a família do Fabrício, houve algum que se destacasse além do José Fabrício?

Se destacasse como a Senhora diz?


Na política, no comércio, na indústria?

Não. Naquele tempo o povo tinha a tradição de, de pecuarista, né, então o destaque deles mais foi sobre campo, campo e cultura, pelo jeito que não, mesmo naquele tempo não existia essa ganância de hoje, é como nós falava, o povo o que queria para, ah! Queria pra, pra tudo, eles, então eles nunca se destacaram, se impor no comércio, naquele tempo não, o Fabrício tinha o comércio dele, mas para luta do povo dele, aquele pessoal que iam a Palmas, mas o comércio que eles traziam de lá era só sal e brim, que naquele tempo lã casemira nem pra casar não casava. Eles então tinham aquilo, eles tinham os depósitos como eles diziam, nunca se dedicaram ao comércio, sempre foi pecuária e cultura.


Por que os Fabrício, especialmente o José Fabrício das Neves, não é citado no combate do contestado?

Isso aí, ele não é citado porque que nem como eu disse já hoje, as pesquisas quando começaram vir, que nem hoje a Senhora está aqui, né, querendo saber certos detalhes como é que foi, então eles, eles tinham medo, porque ele, não tinham conhecimento disso, então vinha uma pessoa perguntar uma coisa ou outra, ele não se manifestava em nada, porque saber o que é que estava na idéia deles, que sabe que estavam querendo o que? Então por isso Fabrício no contestado não aparece, não aparece porque ele não foi indicado por ninguém, por causa do... pra não haver mais nada, ficar por aí e ponto.


Mas o senhor confirma que ele tomou parte ativa na batalha do contestado?

É eles que eu sou secundário, e que conta é o que eles contaram, mas ele o que eles diziam que ele, ele foi, ele era um dos primeiro do monge José Maria.


Hoje ele é morto, o Senhor pode nos dar mais algum detalhe a respeito?

Eu acho que o que eu sabia mais ou menos pra... era essa informação, outra coisa...


A emboscada?

É, não, essa emboscada que ele, que ele, o certo da morte dele mesmo, diziam eles que era uma vingança, uma empreitada. Que o que matou ele empreitou com a viúva do João Gualberto, agora se é verdade ou não é eu não sei, né, segundo o que contavam era isso.


O senhor sabe a localização do sepultamento do José Fabrício das Neves?

Sei, sei, até fui, nós isso daqui nesse inverno, tem lá cemiterinho dele que foi o, o irmão dele como eu lhe falei por parte de mãe, que era Tomás Fabrício das Neves, era um irmão dele mas não legítimo, fez o dia que tirou ele, porque mataram ele, degolaram, tiraram a cabeça dele e desses Cesário que lhe falei que morava em Fragoso, e jogaram no poço, morreram ali, então daí, dali a seis dias o meu pai e o Tomás e mais, se juntaram os Fabrício aí e foram procurar, acharam ele jogado dentro da água, mas depois que a força e retiraram dali, que o meu avô tinha uma equipe de homens com ele né, o dia que matou o Fabrício, então eles deixaram ele retirar, daí foram lá e acharam ele, estava dentro da água, tiraram e fizeram uma cova e botaram os três irmãos juntos e mais um tal de Teobaldo e para o Fabrício fizeram sepultura a parte, os outros estão tudo junto numa cova, e o Fabrício está na sepultura dele a parte, eu todo ano eu vou lá.


Esse irmão de criação ou meio irmão do Fabrício, também residiu em Concórdia?

Residiu, residiu.


O senhor sabe mais ou menos identificar a localização?

De onde ele residia?


É.

Era na mesma localização do Fabrício.


No quartel General?

É não ele tinha casa sempre dele de parte né, mas era o mesmo onde estava localizado essa as casas do Fabrício, tinha a do Tomáz também, quando eles iam lá tinha roça e eles iam cuidar por lá, todos eles moravam no campo, esse Tomáz Fabrício foi fazendeiro até não faz muitos anos o filho dele, então eles faziam, cuidavam a fazenda aqui e lá, então sempre eles iam direto lá onde estava o Fabrício, e lá eles ficavam e lá eles tinham o barracão deles de parte, eles não moravam numa casa só...


O Senhor não poderia nos dizer a localização do túmulo do José Fabrício das Neves?

Olha, quem quiser conhecer é a coisa mais simples, quem sai para... Irani, o que atingir o trevo ali em cima desde até o rio Irani, tem a ponte do rio Irani [BR-153], quem vai daqui a esquerda, rio acima é só não deixar a margem do rio que bate no cemitério dele, está alí a uns trezentos metros, quatrocentos metros.


Isso não é segredo né?

Não, não é, isso está lá pra quem quiser ir, pode ir lá até está muito bonito porque, este ano não fui lá ainda, então esee Tomás Fabrício plantou flores, tem roseiras lá da grossura desse cano, subiu nas árvores, então floresce as árvores em cima.


Deve ser lindo!

Então está lá a sepultura dele é feita de taipa, de pedras, a dele aparece porque eu cuido, vou lá, tiro terra, a dos outros já tem só cruz faz muitos anos, né, então a terra espalha, né.


Apesar do seu pouco estudo, o Senhor está escrevendo algumas poesias, o Senhor poderia nos dizer por que?

Olha, sobre esse assunto eu tenho sido muito entrevistado, porque, e eu e explico porque não como músico e nem como repentista, mas nada tendo a deixar de lembrança dessa tragédia desse meu primo passaram, que essa minha gente passaram, então eu escrevi essas poesias, fiz e até quero mandar escrever um livrinho pra mim deixar; então eu estou continuando agora como hoje então eu estou anotando todo dia que passa comigo, muitas coisas meio importante aí eu estou marcando, dia e data, tudo para deixar como lembrança, assim como eu me lembro dos meus, quero que os outros se lembrem também de mim, e deixo isso aí para quem quiser ver e cultivar eu deixo.


Muito bem! Em poucas palavras o Senhor poderia nos dizer o que conta nessas poesias?

A Senhora quer dizer, dizer a poesia pra Senhora escutar?


Alguma, algum assunto referente à poesia.

Isso eu posso fazer, primeiro um verso pra Senhora ter uma noção.


Pois não.

Que eu escrevi e acho que a Senhora vai ler, que diz o seguinte: Isso é recordação do tempo da minha infância, pesquisei desde criança guardando em minha memória, e hoje no ritmo escrevo, a realidade da história. Esse é o meu primeiro verso que eu fiz.


Muito lindo! Mais alguma lembrança que o Senhor queira deixar registrada na gravação?

Não, hoje eu podia fazer como já nós falava no morto Fabrício. Dessas tragédia que eu falei agora, então vou lhe fazer mais um verso. Que é o final, então eu faço o primeiro e o último. Isso foi numa madrugada, então diz o seguinte: Que terrível madrugada, que terrível despedida, no espaço de uma hora a causa foi decidida e hoje só me resta o nome de quem por nós deu a vida.


Alguma mensagem que o senhor queira deixar?

Só me resta agradecer as Senhoras, seus assessores lá que estão fazendo essa pesquisa, tem muita gente que diz não é isso é aquilo, eu sempre gostei do que eu tenho repartir com os outros, não seja de mal que seja de bem. Se é pra mal então nem eu não faço, não vou repartir com ninguém também.


(Fim)



Antônio Martins Fabrício das Neves (Irani, 7.9.2007). Foto: Marco Cezar



sexta-feira, 14 de novembro de 2008

João Maria, o curandeiro do Covó


João Maria Pereira dos Santos, 69 anos. Foi a primeira pessoa que encontramos na casa da professora Aurora Fabrício das Neves Tortelli, no interior do município de Coronel Domingos Soares (PR), no início de dezembro de 2007. Ele reclamava muito, colocava a mão na cabeça, cambaleava um pouco, gesticulava. Veio em nossa direção e contou:

– Caí do cavalo. O animal encostou numa cerca elétrica e me jogou no chão.

Havia um ferimento de certa gravidade na parte de trás da cabeça, o cotovelo esquerdo doía. Logo foi levado a um posto de saúde próximo. Naquele dia não tivemos mais notícias dele. Na manhã seguinte, entretanto, quando fomos gravar cenas de uma cavalgada, topamos novamente com o personagem. Trazia um curativo na cabeça que caía seguidamente. Os primeiros raios da manhã acompanharam os acordes de uma gaita que ele tocava.

Natural da localidade de Covó, no município de Manguerinha (PR), esse João Maria foi pastor de ovelhas por quase 20 anos, depois passou a cuidar de cavalos. Em contato com um curandeiro conhecido na região, aprendeu uma série de receitas à base de ervas que usa nos cuidados com os animais ou com pessoas. Antes de entregar um remédio caseiro, ele ora por São João Maria e Nossa Senhora Aparecida.

– O senhor faz profecias?

– Não. Só rezo e curo.

O curandeiro de Covó (Mangueirinha) diz que costuma andar a cavalo pela região. Levou cinco horas para chegar a Coronel Domingos Soares. Ele participou da 3ª Cavalgada Festa das Tradições que se seguiu e tomou o café tropeiro na casa da professora Aurora e do senhor Tortelli. À noite o encontramos no CGT local e no dia seguinte na missa de aniversário do município recém emancipado.

É um sujeito calmo, tranqüilo, simples. Mora na fazenda Três Capões (Manguerinha), onde atuou muitos anos como peão e se aposentou. Gravamos um longo depoimento em vídeo com ele. Curandeiros como esse João Maria, se multiplicam pela região Sudoeste do Paraná e planalto catarinense, onde as fontes de São João Maria são preservadas e usadas para o primeiro batizado de recém-nascidos.




Fonte de São João Maria (Covó/Mangueirinha-PR)

Guilhermina e Dina, irmãs de Vicente Telles, coletam água da fonte.



quinta-feira, 13 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (10)

Antônio Martins Fabrício das Neves fotografado por Marco Cezar (Irani, 7.9.2007).



(2ª parte )

Continuação da entrevista de Antônio Martins Fabrício das Neves a Eunice Cadore Franzack e Delsi Fries (Grupo Resgate/Museu Histórico de Concórdia, Concórdia-SC). Fazenda Bela Vista (Irani-SC) em 16 de outubro de 1990. Abaixo os principais trechos da entrevista, tal como foi transcrita. As informações entre colchetes são minhas.


Eunice Cadore Franzack – O Senhor José Fabrício das Neves participou da batalha do Irani em mil novecentos e doze?

Antônio Martins Fabrício das Neves – Participou, contavam eles que participou.

ECF – Como soldado, como comandante?


AMFN – Ele participou como assessor, ele era dos de mais confiança do monge José Maria. Até o José Maria disse que ajudou muito ele nessa, nesse ideal de colonização, então depois ficaram muito conhecido, muito amigo, e o, e o Maria tinha ele como um dos assessor dele né, mas um assessorava o outro porque não tinha um posto um maior que o outro, só na, na, no dia do combate ali o Maria disse para ele que se, se era para morrer gente ele ia morrer, diz, porque eu não vou deixar essa coloniada tudo aí na frente e eu ficar lá atrás, e nós temos que ir na frente, inclusive nós estamos com, a tanto tempo eles junto com nós de acordo nós também não podemos se prevalecer dessa gente, vamos enfrentar nós, e se eu morrer você pega essas armas que nós temos aí, que era por sinal não era muita arma, mas era espingarda, revólver, espeto e facão de, de madeira, diz, e cuide essa gente, guarneça esse sertão aí, porque diz, está sujeito a morrer e eu vou lá conhecer esse homem, que era o João Dalberto; foi o que ele disse para o Fabrício.


O monge José Maria foi indicado pelo monge João Maria para auxiliar o povo que aqui estava.

Não, o monge João Maria não falava no José Maria, nunca falou.


Ele foi simplesmente um substituto?

Do monge João Maria?


É.

Dizia ele que estava no lugar dele porque ele venceu o tempo dele, agora não sei porque isso; dizia os moradores antigo daqui que o José Maria dizia isso aqui e, mas aí existe, existe alguma coisa, algumas idéias tinha uns que acreditavam, outros não, né, então aí a gente não tem uma coisa certa, né, mas não que, isso eu ouvia só, essas dúvidas que os antigo, meus avós, meus pais falavam que, que eles conversavam quase um dia com o monge João Maria, de um por um porque o monge João Maria não queria junção mais do que dois não era para ir nem onde ele estava, então eles entrevistaram muito e o João Maria nunca falou no José Maria, diz que dizia os moradores daqui que ele era um substituto, agora aí ficou a dúvida, a gente não sabe se era ou não.


No seu ver, o monge José Maria era que tipo de pessoa?

Olha! Pelo que a gente vê na estátua, porque eu não cheguei a conhecer ele, eu acredito que ele, eu acredito que ele era uma pessoa que só pensava para o bem, ele, acho acho que ele era mesmo um legítimo monge.


No dia da batalha do contestado, primeiramente ele rezou a missa, depois aconselhou os habitantes daqui.

Si. Esse foi o José Maria, José Maria era um homem muito inteligente, muito, ele falava onze línguas e, e rezava uma missa como os padre antigo rezavam, né, porque os de hoje já rezam meio por cima, não é, mas, diz ele rezou uma missa, diz ele preveu que que ia morrer porque ele disse para o Fabrício, diz eu vou morrer, mas você não passe do meu sangue que você vai ser um herói do mato. Agora se você vai para a cidade no campo você vai ser um gato, no mato você é uma onça e no campo você é um gato. Não passe.


Esse era um conselho que ele dava para evitar que o José Fabrício fosse morto.

É, para evitar né, senão, venha até onde nós brigamos e vencemos e volte para trás, diz, não passe, não passe do nosso sangue que nós derramamos, mesmo porque daí você só vai mal. No mato você é uma onça e lá no campo você é um gato. Então, respeite isso aí. E foi o que aconteceu o Fabrício se iludiu, passou, e aconteceu terminando morrendo né.


Exato. A verdadeira razão da batalha do Contestado?

Olha a verdadeira razão da batalha do Contestado existia muitas idéias, mas, o que o povo sem estudo previa aqui no mato eu concordo que eles estavam certo, que essa que eles, havia qualquer interesse sobre o terreno, e esses general lá, esses comandante do exército juntaram aquilo como para não vir simplesmente vir aqui matar ou fazer lá o que eles queriam, inventaram aquilo, que eles aqui estavam formando um reduto de jagunço, a santidade, um, como eles diziam antigamente uma coisa, um escândalo aqui no sertão. E não era verdade, não era verdade porque esse José Maria era um homem de muito estudo de muito respeito, e eles tinham ele como um bandido, mas bandido que não tinha morte, não houve nada, portanto tinha centros de colonos trabalhando com eles aí a espera da iniciativa que eles tinham. Então eu acho que essa, esse combate aí havia algum interesse particular.


De quem?

Eu acho que de, de, alguns prevendo não deixar eles fazer o que eles queriam.


E que era a posse da terra?

Que era a posse da terra para todo mundo né, e sabe naquele tempo existia muita região como Palmas, Curitibanos, lá mais para a costa do mar já tinha essa gente muito rica, tinha essas, esses donos que trabalhavam na estrada de ferro, porque já queriam eles colonizar. Então eu acredito que o pessoal ficou nessa suspeita, que houve isso por causa do próprio terreno, não foi por outra coisa.


O José Fabrício e os seus comandados foram mal interpretados, por algumas pessoas especialmente da região de Palmas [PR], quando eles se organizaram para ir buscar os títulos de posse das suas terras, houve um pequeno combate. O Senhor sabe me dizer a razão de que?

Olha, aí é que ficou a legítima dúvida, aí é que se fortaleceu mais aquele ideal que o povo sempre pensava porque nem tanto culpado o cartório de Palmas, porque ele tinha mandado para o Fabrício que fosse lá, fosse lá, que ele ajudava e fazia o possível de documentar todo esse pessoal que ele levasse, mas o interesse de outra gente, de algum, o interesse de algum outro pegar aquela frente que o Fabrício estava praticando para, para fazer essa colonização. Tudo isso era o nosso povo, a fabriciada daqui como a Senhora dizia, ficou, nessa suspeita, e eu concordo com eles que isso quase que seria uma realidade.


O Senhor classifica o jagunço como? Com que tipo de pessoa?

Olha, como que eu classifico o jagunço não por eu ser descendente de jagunço, mas como uma pessoa de muito valor, homem disposto, homem de coragem, homem justo, que já vimos que a autoridade naquele tempo a autoridade era muito rara, não existia como tem hoje, né, então era feito de um para outro, então aí é que a gente distinguia os homens justos e corajosos e fazendo que era de justo, então eu classifico o jagunço nesse tipo, gente disposta, gente que, gente simples, tipo o gaúcho, então eu não, não desligo muito o gaúcho do jagunço, é quase, eu para mim é quase o mesmo estilo de gente.


Mas esse jagunço que se formou aqui nesta região eram todos descendentes do povo do Rio Grande do Sul?

Tudo gaúcho, tudo, tudo, tudo, não tinha nenhum de outra região, a não ser o dito Maria que esse ninguém soube como é que ele veio apareceu por aí, meio imitando mesmo o monge João Maria. Mas o mais era tudo gente do Rio Grande, tudo, tudo.


Os jagunços eram muito unidos?

Muito, muito, muito. Para isso até eu fiz, muito unido e muito inteligente, e que eu até tenho aquela poesia que a Senhora viu ali, que eles consideravam a união o respeito com a riqueza, e, e é uma realidade mesmo, a nossa felicidade é a união e o respeito, então aí surgiu muito não sei se eles, e essa herança eles trouxeram do Rio Grande do Sul. Então por isso que eu digo que o jagunço e o gaúcho é quase a mesma coisa, que a tradição deles era a mesma.


Depois dos combates do Irani alguns chefes esconderam-se em outras regiões. O Senhor saberia me dizer o nome de algum? O motivo real que eles estavam afastados dessa região?

Depois do combate?


Exato.

Olha, eu não, não tenho conhecimento disso, o único chefe que ficou, que nós conhecemos por aqui foi o Fabrício. Depois teve outros que tinha, o Deodato, também era um chefão do, que no fim o Deodato também fez a, ele vendeu-se para os fazendeiros de Curitibanos, Lages, pra lá, não sei lá, que eram os que mais queriam nos massacrar né, e os outros não, não tenho conhecimento do nome deles, o mais que eu conheci era o Praxeti. Prazeti ele, esse eu conheci, não eles mas estive falando com o filho dele em Tauaruçu não faz muito tempo, né, esse morava em Taquaruçu mas já posto lá pelo Maria e o Fabrício. E ele era também mas aquele não, não, não se envolveu muito né, ele só tratava de guardar a guardinha dele lá onde ele foi posto, mas eu, eu, do mago dos jagunço como nós falava que eu tenho conhecimento só do Fabrício.


Depois da batalha do contestado em mil novecentos e doze, um pelotão do exército permaneceu aqui em Irani por muitos anos.

Permaneceu uns quantos anos.


E esse não foi o motivo do afastamento do José Fabrício das Neves da região?

É, ele se cuidava muito né, ele não, dizia que ele correu, que nem os outros, daqui, os moradores daqui não ficaram aqui, nenhum, ficou só mulher e as criança. Eles foram para Itá, eles diziam pro sertão, naquele tempo, que o sertão não era Itá, quando aqui já estavam no sertão, lá diziam que era sertão. Então, mas o Fabrício transitava daqui lá mas tocando o mesmo serviço, a mesma, o mesmo ideal que eles tinham, lidando com criação, fazenda, lavoura, ele não, não, nunca correu pra, é ele nunca correu para dar lado pros outros né, ele ficava na dele, nunca provocou ninguém mas também não correu, ele cuidou da vida dele como ele sempre tinha aquele ideal.


Nesta mesma época, José Fabrício montou uma pequena colônia no Engenho Velho.

É ele tinha. É como nós falava, esse território era muito grande, e eles queriam, sempre recebiam, diziam eles que sempre recebiam ah muitos pedidos do Rio Grande do Sul, então eles seguravam o que puderam. Conhecendo, não assegurando, conhecendo os lugares, então eles montaram muitos, muitos lugares, muitas regiões que eles, que hoje dizem comunidades, né, então ele fazia muitas comunidades, ele cuidava, quando viesse aquele povo botava lá se se agradava, se não ia pra cá, a escolha do pessoal que fazia aqueles pedidos de terreno para ele.


E na região de Fragosos, quem habitou lá?

Na região de Fragosos quem habitou foi os maiores assessores do Fabrício. Eram três irmãos, era uma família Cesário diziam eles, e até estão no retrato com o Fabrício. Eles eram muito conhecidos dentro do Rio Grande do Sul então, aqueles moravam nos Fragosos, era Cesário e Fragoso, Fragoso era duas famílias, Fragoso era um nome de gente, que até eu acho que a Senhora conheceu o Pedro Fragoso?


Conheci.

É descendente daquela gente. Aquele é descendente dessa gente, e então os que moravam lá é esse, que por sinal morreram junto co Fabrício, da mesma traição que o Fabrício fez, que fizeram com Fabrício, mataram esses três irmãos.


Sobre os empregados da estrada de ferro, depois que eles estavam desempregados, que acabou-se a construção da, da estrada ali, eles ajudaram o José Fabrício, eles se aliaram ao Fabrício, ou quem foram essas pessoas?

Não, eles não queriam relação com o Fabrício, nunca quiseram, essa, essa empresa que, que eles falaram de estrada de ferro, eles eram muito contra o ideal do Fabrício e não, então aí é que surgiu as dúvidas e deu essa briga que deu no Banhado Grande, porque essa gente da estrada de ferro eram muito contra essa, essa colonização desse intervalo desses dois rios, que é o Iguaçu e o Uruguai.


As primeiras colonizadoras dessa região vieram do Rio Grande do Sul. Conta-se que houve um acordo entre o José Fabrício das Neves e as colonizadoras, o Senhor sabe me dizer alguma coisa?

Nunca ouvi falar, não é do meu conhecimento, porque se tivesse alguma relação, alguma coisa o meu, o meu pai, meus avós sabiam disso, mas eles nunca falaram sobre isso. Eu acho que isso aí nunca, nunca houve.


(A terceira última parte do depoimento de Antônio Martins Fabrício das Neves ao Museu Histórico de Concórdia será postada no próximo sábado, dia 15.11)


ENSAIO FOTOGRÁFICO DE J. L. CIBILS

Capitel no município de Lebon Régis (SC).




Imagens do Irani (SC) em 2002. As três primeiras fotos são do Cemitério do Contestado. A última é do monumento Mãos de Cimento (artista Mano Alvim).



quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Personagens atuais do Contestado (1)


Vicente Telles


21 de março de 2007. Irani-SC. Conheci Vicente Telles em sua residência. Tinha contato com o trabalho, acompanhava as façanhas pelos jornais.

– Pois não! Disse Telles, meio sonolento, ao nos receber numa tarde de uma quarta-feira.

Apresentamo-nos, Margaret Grando e eu. O encontro havia sido agendado por telefone.

– Ah! Pois não! Queiram entrar.

A sala da residência de alvenaria com três pisos se assemelha a uma galeria. Ali estão representações artísticas do Contestado e, sobretudo, do combate de 22 de outubro de 1912 no Irani. E também fotos, como as de José Alves Perão, e dona Júlia Olímpia, avós maternos de Vicente.O pai, Heleodoro Telles da Rocha, e a mãe, Isabel Olímpia da Silva, também então presentes em retratos na parede.

– E o José Fabrício?

Vicente nos olha, pensa um pouco.

– José Fabrício era um tema proibido na família.

E nos conta o pouco que tem na memória.

Depois nos leva ao Cemitério e Museu do Contestado, a poucos metros de sua casa, nas margens da BR-153. Um pouco mais adiante o local do combate e o túmulo do monge José Maria de Castro Agostinho. Antes da despedida, Telles nos presenteia com o disco “Epopéia do Contestado – História em Música”, gravado por ele e Vicente Telles Filho, o Vicentinho. Se fosse um disco antigo, a agulha da vitrola teria gasto as ranhuras do vinil, dada à quantidade de vezes que ouvi as nove músicas ali gravadas.

Na segunda vez que fui a residência de Vicente já era hóspede, iniciando então uma grande amizade e colaboração. Acabei me tornando amigo do Vicentinho e das irmãs do Vicente que moram no Rio – Dina e Guilhermina. Mais tarde fui levado até a localidade de Jacutinga (Coronel Vivida-PR), onde fui apresentado aos tios de Vicente, José da Silva Perão (Juca Perão), filho do combatente do Irani José Alves Perão (José Felisberto) e a dona Sebastiana, carinhosamente chamada Vó Bástia pelos filhos e netos.

Nascido no dia 5 de outubro de 1931, em Palmas-PR, no antigo distrito de Retiro (hoje município de Coronel Domingos Soares), Vicente foi residir no Irani-SC com três ou quatro anos de idade. Ali permaneceu até 1950, quando foi servir o Exército, seguindo a carreira militar até 1975. Durante todo esse tempo ficou distante do Irani, retornando em 1977 para cuidar de sua mãe, Isabel, que morreu em 1979 (o pai, Heleodoro, falecera antes).

“Uma mãe-de-santo da Bahia me disse uma vez que eu tinha uma missão a cumprir, ali mesmo em Salvador, em Dourador-MS ou no Irani. E eu achei que essa missão era cuidar de minha mãe no Irani, mas quando ela faleceu, eu já estava envolvido até o pescoço com o Contestado”, lembra Vicente. Ele soube de alguns detalhes do Contestado através de um engenheiro da empresa Teixeira Guedes, construtora da BR-153. “Um deles se chamava Jailson Cavalcanti, se não me falha a memória”, diz. “Eu já tinha ouvido falar do combate do Irani, mas como todo mundo por aqui, eu também achava que o Contestado se resumia a esse episódio”.




Túmulo do monge José Maria de Castro Agostinho no Irani-SC.


Área onde ocorreu o combate do Irani no início da manhã de 22 de outubro de 1912.


Foi assim que Vicente nos recebeu na tarde do dia 8 de setembro de 2007, em sua residência: o titular do blog, o repórter-fotográfico Marco Cezar e o repórter-cinematográfico e também fotógrafo Marco Nascimento.




Na Assembléia Legislativa (Florianópolis-SC), quando recebeu o título de Cidadão Honorário do Estado de Santa Catarina(18.10.2007).




Lutador Solitário


Enéas Athanázio (*)


Em ligeira viagem pelo Estado, chegamos à cidade de Irani, às margens da BR 153 - a Transbrasiliana. Nas cercanias ocorreu o combate que daria início real à Guerra do Contestado que se estenderia até 1916.Ali pereceram, no dia 22 de dezembro de 1912, o coronel João Gualberto, comandantes das forças legais e o monge José Maria, líder dos revoltosos. Fatos que calaram fundo na alma do povo e transformaram a cidade no local onde foi aceso o estopim da mais sangrenta conflagração civil de nossa história. O cemitério e o monumento do Contestado são atrações turísticas muito visitadas.

Percorrendo o centro urbano, limpo e bem cuidado, conversando com um e outro, logo veio à tona o nome do prof. Vicente Telles, segundo a vox populi a maior autoridade nos assuntos do Contestado. Já o conhecia de nome há muitos anos, tinha notícia de suas atividades e havia lido trabalhos de sua autoria. Reside numa fazenda, herdada dos antepassados, cerca de dois quilômetros além da cidade, e para lá nos dirigimos. Tem uma casa ampla e bonita, construída num pátio elevado e limpo, de onde avista o imenso vale verdejante que se estende a perder de vista, com os campos manchados de capões e onde farfalham muitos pinheiros e árvores nativas. Ali não se toca em nada, diria o dono, mais tarde. Como fosse um sábado, tivemos a sorte de encontrá-lo em casa e ele não tardou a aparecer.

Homem alto, com os cabelos pelos ombros, simpático e falante, logo entrosamos uma conversa algo desencontrada, como é comum nos primeiros encontros. Ele nos deixou à vontade e logo pudemos avaliar a amplitude de seus conhecimentos sobre o Contestado, seus feitos, causas e conseqüências. Modesto, ele se considera um rábula da história, embora eu prefira dizer que é doutor pela boca do povo, como se considera o poeta Ascenso Ferreira. Naquele dia, como em todos os sábados, ele faria um programa na rádio local, "A Voz do Contestado", para o qual me convidou e lá fomos nós, realizando uma entrevista improvisada na qual pude falar um pouco de minha obra.

Vicente Telles é um lutador solitário. Criou e dirige a "Fundação do Contestado", cuja sede está instalada numa espécie de museu que construiu por sua conta nas proximidades da casa. Bate-se pela implantação do Parque Temático cuja "maquete" nos exibiu, expondo em detalhes o projeto. Esbarra, como sempre acontece, nas teias da burocracia e nos enredos da política, retardando a consecução de uma obra que introduziria a região no mapa turístico e cultural do Estado de forma destacada. Luta também pela preservação da memória da Guerra, desfigurada em tantos pontos e, acima de tudo, pela afirmação da identidade catarinense e pelos valores espirituais que nortearam a ação dos revoltosos. Apóia e participa do grupo Folclores Itinerante do Contestado, apresentando peças, montagens e performances de grande porte, algumas em praça pública.

Musicista e poeta, é autor de vários trabalhos sobre o assunto, alguns dos quais nos ofertou. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, foi membro do Conselho Estadual de Cultura.

Como tantos que lutam pela cultura em nosso país, ele trabalha só, enfrentando todas as dificuldades. Mas tem a vontade férrea dos idealistas e nada o fará desistir. Está convencido de que, mais dia menos dia, suas realizações integrarão Irani e região entre os mais visitados itinerários de nosso Estado.


(*) Enéas Athanázio é escritor e promotor de Justiça aposentado. O artigo foi publicado no suplemento literário A Ilha, nº 97, junho de 2006. Acesso em http://br.geocities.com/prosapoesiaecia/Lutadorsolitario.htm. Sua republicação aqui foi autorizada pelo autor.




terça-feira, 11 de novembro de 2008

O Contestado segundo Sylvio Back

Sylvio e o assistente de fotografia Haroldo Borges (Florianópolis, 11.11.2008)



“O Contestado – Restos mortais”, direção de Sylvio Back, completa nesta quarta-feira (12.11) o 15º dia de filmagens. A equipe do cineasta que já dirigiu “Guerra dos Pelados” (1970) começou os trabalhos por Canoinhas, Mafra e Porto União, seguindo por Timbó Grande, Matos Costa, Calmon, Caçador, Lebon Régis e Curitibanos, passando por Correia Pinto e Iraní, em Santa Catarina, até Marcelino Ramos (RS).

Hoje à tarde (terça, 11), em Florianópolis, perguntei a Sylvio Back qual era a motivação na retomada do tema. Ele pensou um pouco, se ajeitou na cadeira e olhou o still Cláudio Silva que o fotografava. Depois falou em “invisibilidade do Contestado”. Ou seja, o conflito que durou quatro anos, mobilizou quase dois terços do efetivo do Exército e deixou milhares de mortos, continua um ilustre desconhecido da imensa maioria dos brasileiros.

“Comecei a falar sobre o Contestado a um grupo de intelectuais no Rio de Janeiro, e lá pelas tantas percebi que eles nem sabiam do que eu estava falando”, argumenta Back. “Um me chamou num canto e perguntou se tinha a ver com os Munkers, outro indagou se haveria relação com a Revolução Farroupilha”. O manto da invisibilidade do Contestado envolve a historiografia e a mídia. Invisibilidade e desconhecimento.

Outro desafio a vencer é o da complexidade do Contestado, onde os redutos se sucedem, assim como os personagens, uns diferentes dos outros, sendo apontados inúmeros elementos que podem ter contribuído com a eclosão da guerra. “Uns 12 cineastas, não darei nomes, mas eu sei, tentaram trabalhar o tema e desistiram”. A previsão é que o novo filme do cineasta catarinense chegue aos cinemas no segundo semestre de 2009, devendo ser exibido em rede nacional de televisão e comercializado em DVD.

Equipe de “O Contestado – Restos mortais”

* Sylvio Back, diretor

* Zeca Nunes Pires, diretor-assistente

* Antonio Luiz, diretor de fotografia

* Haroldo Borges, assistente de fotografia

* Juarez Dagoberto, técnico de som

* PH, diretor de produção

* Carlinhos Aníbal Cáceres, assistente de som e microfonista

* Cláudio Silva, still (fotógrafo de cena/making of)

* Lucas Galli De Bona, eletricista

* Silvio, Motorista 1

* Roberto, Motorista 2




Sylvio, Haroldo e o diretor-assistente Zeca Pires.


Sylvio discute detalhes da produção com Zeca Píres.

José Fabrício das Neves (9)

Aspecto da fazenda Bela Vista (Irani-SC). Foto: Margaret Grando.


Irani (SC).

Fazenda Bela Vista.

14 horas, dia 17 de outubro de 1990.

Antônio Martins Fabrício das Neves é entrevistado por Eunice Cadore Franzack e Delsi Fries, integrantes do Grupo Resgate do Museu Histórico de Concórdia-SC.

Fita nº 002. Transcrição: Alvair Santos (Iti). Datilografia: Dulce Joana Weirich.

Antônio é filho de João Damas Fabrício das Neves e Gertrudes Martins de Lima.

Abaixo os principais trechos da entrevista, tal como foi transcrita. As informações entre colchetes são minhas.



Antônio Fabrício das Neves (21.3.2007). Foto: Margaret Grando.



(1ª parte)

Eunice Cadore Franzack – O senhor vem de uma família numerosa? Quantos irmãos tinha?

Antônio Martins Fabrício das Neves – Nós era onze, onze irmão.


ECF – Todos nascidos aqui em Irani?

AMFN – Todos não. Uma parte muito grande em Passo Fundo, os mais novo, os cinco mais novo, nasceram aqui, a maioria já vieram de Passo Fundo.


Tudo bem Seu Antônio, nós hoje estamos aqui lhe entrevistando para que o Senhor nos conte alguma coisa a respeito dos seus antepassados; o Seu José Fabrício das Neves especialmente, que é nosso assunto preferido da nossa entrevista, por isso como nós já anteriormente conversamos, o senhor lembra, tem alguma informação a nos dar, desde o tempo em que o José Fabrício das Neves residia em Passo Fundo? O que o senhor pode nos dizer a respeito?

De Passo Fundo, a residência deles de Passo Fundo, eu só posso dar uma informação da vinda deles para cá. Porque eu já sou nascido aqui e a maioria da, da, do que eu conheço já foi coisas que aconteceu aqui. Que eles vieram para cá mandados do monge, foi meu pai e também da família dele né, que era a mesma família do Fabrício vieram para cá, pra, indicado, era um lugar muito bom, e eles estavam um pouco chocados lá, por que na guerra de noventa e três perderam o nosso avô, né, então nessa época passou esse monge, esse José, João Maria, e indicou que eles viessem para cá, então foi aonde aconteceu que eles vieram para cá arranjaram este sertão, foram os primeiros que entraram aqui, foi essa família. Aqui não existia ninguém, quando eles chegaram aqui só tinha índio, sertão e índio, então do Uruguai para cá eles vieram fazendo pique [picada, caminho], sofrendo, até chegar aonde eles estavam indicado para eles morar.


Esse monge João Maria, residia em Passo Fundo ou vinha de outro lugar?

Esse monge João Maria porque eu ouvi eles falarem, meus pais, meus avós, ele andava... ele não residia em lugar nenhum e lá ele pousou de passagem. Dizia ele, disse para eles que ele não ficava mais que um dia num lugar. Ele só pousou na frente da casa deles, não quis cômodo nenhum, e no outro dia seguiu viagem dele a mesma coisa.


Em que ano foi a passagem do monge João Maria por Passo Fundo?

Isso foi mais ou menos em oitocentos e noventa e quatro, noventa e cinco... porque desde que ele indicou eles só trataram de, de sair, vir para onde o monge indicou.


Então em que ano vieram os seus parentes residir nesta região?

Eles vieram mais ou menos aí por oitocentos e noventa e seis, noventa e sete, mais ou menos por aí assim.


Quantas pessoas vieram?

Bom, o total das pessoas eu não sei, eu sei que eles eram mais ou menos em dez ou onze famílias, isso eu sei, agora não posso distinguir quantas pessoas tinha em cada família. E eram famílias grandes, tudo, não tinha nenhum de pouca família assim porque eram umas famílias muito grande.


E essas famílias tinham que nomes?

Eram Fabrício e Soares.


A grande maioria, ou a totalidade?

A maioria, a maioria, os que não eram mas sempre por longe eram parentes, embora não fossem descendentes da família, mas eram parentes sim.


Como é que eles chegaram até aqui?

Até Marcelino Ramos [RS], diz eles, que vieram a cavalo, com cargueiro, é só, só, só com cavalo e cargueiro né, porque estrada para carroça eu nunca ouvi eles falar que tinha. E lá eles deixaram o comboio deles e vieram a pé, e depois de muito tempo eles fizeram um pique para ir trazendo o resto da mudança que eles deixaram do outro do Uruguai, que é Marcelino Ramos.


O Senhor falou que aqui eles chegando encontraram alguns índios, o Senhor podia nos dizer alguma coisa a respeito?

Pois é, eles falaram né, que só tinha índio, que não encontraram outras famílias morando aqui não.


Esses índios eram identificados como?

Eles diz... diziam eles que eram os índios Carijó, agora não, naquela época não distinguiam a raça dos índios como hoje existe, então nós conhecíamos aqueles índios, até que alguns eu cheguei a conhecer, por os índios Carijó.


Eles eram amistosos ou eram ferozes?

Não, os índios daqui que nós conhecemos não. Eles tinham mais relação com os índios que viviam no sertão do Paraná, mas aqueles se mostravam... diziam aqueles índios que não convinha até o pessoal ter relação com eles porque eles eram perigosos.


Muito bem! E na visão do monge João Maria qual era o terreno, realmente indicado para ser colonizado?

Olha, ele indicou do Rio Iguaçu até o Rio Uruguai. Esse eram um território que ele dizia que era um terreno muito bom e estava despovoado, então ele indicou que eles deviam vir para cá, para ver se colonizavam. Com o tempo abriu os primeiros pique para ver o que hoje aconteceu que tá...


Bom, então os seus familiares instalaram-se em primeira mão nos campos de Irani.

Nos campos de Irani, é esse era os criadores, o que tinha eles distinguiam a terra de cultura e os criadores. Então aonde as terras eram magras eles aproveitavam para criar. Foi o caso do Fabrício se instalar em Concórdia, é terra de plantar, terra boa, e aqui em cima era campo, e no campo só dá para criar, então por isso é que eles tiveram essas duas paradas, paravam aqui e lá para bem de aproveitar o valor da terra que tinha, tanto para criar, como para plantar.


Então essas paradas que o Senhor diz, uma foi Concórdia, outra foi Irani.

Irani.


Em Concórdia residiu quem?

Olha residia mesmo os assessores do Fabrício, isso quase de todos os Fabrício porque eles lutavam na agricultura lá e criavam aqui, então eles tinham esse, essas duas paradas. Mas que morava mesmo efetivo era os assessores dele. Esses, esses dito coronel de fazenda.


E eles lá tomavam parte de que parte do povoado ou da região?

Não tinha parte, não tinha limite porque eles estavam, aquele pessoal antigo acreditava muito nessa história do monge, então o monge indicou esse território, e viu que antigamente diziam eles que era pequeno porque o mundo era despovoado, mas era um pedaço muito grande, então eles não tinham quantia certa para, para eles fazerem para se localizar. Esse intervalo do Rio Iguaçu até o Rio Uruguai ficou a dispor deles indicado por esse monge né?


E o coronel de fazenda Salva... Salvador Inácio, estava onde?

Esse era morto.


Era morto?

Era morto, esse morreu na guerra de noventa e três; ó, eu não sei se foi em Passo Fundo ou, eles contavam até o nome do combate onde ele morreu né, então esse foi coronel de campanha, ele foi a coronel por posto de ato de bravura.


Sim, e o coronel Luis Adão Jaques?

Bom, esse era coronel de fazenda, esse era coronel um assessor do Fabrício.


Residiu em Concórdia também?

Residiu, residiu em Concórdia.


E que localização mais ou menos o Senhor nos dá para o quartel General do Seu Fabrício das Neves em Concórdia?

Bom, era no antigo prédio do Marafon. Estava localizado justamente aonde era que o povo dizia o quartel General de Fabrício. Era bem aí, onde estava o prédio do Marafon, ali era que o Fabrício se localizasse. Que ele fazia as paradas quando ele ia daqui, da fazenda para lá. Era ali, naquele lugar ali.


O senhor identificaria hoje, em Concórdia o local?

Identificaria! Por ali onde está o Pitol por ali pra baixo ali era, ali tinha um limpo grande [área desmatada], ali ele pegava mais ou menos entre os piquete como eles diziam, os piquete era de botá os cavalos quando a gente viajava muito. Aí chegava lá eles tinha lá uns quatro ou cinco alqueire de terra meio limpo né, mas a totalidade da casa dele mesmo ali, até era uma casa mais ou menos, de madeira, mas era uma casa boa. Hoje existe a fotografia dele, na casa eu não pude ainda resgatar, mas o Vicente parece que tem. Eu falei com ele depois que a Senhora esteve aqui. O jornal daí mostra o x, onde ele tinha ali era onde ele parava, era ali.


Muito bem! O Senhor José Fabrício das Neves fazia o percurso de Irani a Concórdia, supervisionando o trabalho de seus assessores? O que o Senhor tem a nos dizer a respeito?

Bom, ele fazia esse trajeto daqui até lá, atendendo sempre o que eles tencionavam, né trabalhava direito, que não houvesse discórdia nenhuma com essa, com essa gente né, que eles queriam só prevendo para futuramente eles terem, cada um o seu patrimoniozinho né, que é o que a iniciativa dele sempre foi essa.


Em que ano o Seu José Fabrício das Neves instalou o seu quartel General em Concórdia?

Olha, esse tinha que ser mais ou menos pelo tempo que eles vieram do Rio Grande para cá, eu acho que eles instalou-se aí por mil e oitocentos e noventa e quatro, noventa e três, por aí assim né, porque isso foi depois que eles já tiveram uns quantos tempo meio já conhecendo aqui a região né, depois que ele voltou a se instalar tencionando ser definitivo, aquela localidade deles lá para cultura. Para criador aqui em cima e para cultura lá, Concórdia que eles agradaram muito do terreno né, do Rio Uruguai até Concórdia, terra muito boa, e gente que trabalhava, conheciam o que, o que era a natureza né, terra boa, terra de criar, então essa era a iniciativa deles.


Porque o nome de Queimados?

Sim. Os queimados, justamente pegou esse nome porque eles quiseram fazer um limpado para se fazer as comunidades deles ali, e a maneira mais fácil que eles acharam foi botar fogo, então por isso que ele ganhou o nome de Queimados, aquela costeira do rio ali e abrangendo mais esse terreno no jeito que hoje é Fragoso porque justamente nós conhecia mais esse terreno no jeito que hoje é Fragoso porque justamente nós conhecia mais os queimados em cima das lona, lá em cima. Lá na lona o fogo trabalhou mais então por sinal eles dizem que até sofreram bastante para poder evitar o fogo porque estava atingindo já uma área que eles não queriam, então... mas hoje já atinge de Concórdia até lá e lá eu acho que nem Queimados não é mais, já é... nem sei como é que chama aquela linha lá em cima. [Linha São Paulo, bairro Fragosos, Concórdia-SC]


[...]


Então explicando melhor, o fogo fugiu do controle das pessoas que atearam.

Sim, é, eles precisavam uma coisa e o fogo se formou muito forte né, então ele queimou um bom pedaço de terreno.


E sobre a lenda que dizem de cadáveres queimados?

Não. Aquilo ali eu acho que não é verdade, isto é, é umas emendas que ponharam porque sabe, como a gente as vezes, como meus antigos previam ia hoje, e as vezes eu mesmo estou pensando, eu acho que atrás disso aí tinha alguma coisa. Então cada um conta o seu né, puxa a sua, então por isso é que bem esses, essas coisas que às vezes não aconteceu, como ali de fato sobre o Queimado, esse eu tenho certeza que não aconteceu porque esse eu sabia que era os Queimado por intermédio do fogo lá no mato, não que queimassem gente. Porque não havia necessidade de queimar então que jogasse no mato, era sertão, ninguém ia ver, acho que isso daí não é verdade.


Conta-se também que Fabrício era uma pessoa muito boa.

Bom, é como eu falava agora, cada um puxa o seu lado, não é por ele ser meu parente, que ele é meu primo irmão. O Fabrício, mas os que conheceram eles, portanto ele teve tudo esses assessores que vieram para cá à procura dele. Inclusive meu sogro conheceu muito ele que morou comigo aqui né, conheceu ele de fundo, do tempo antigo que ele também veio do Rio Grande a muitos anos atrás e veio e veio diretamente informado pelo Fabrício. Ele contava que fiz que ele nunca viu nada, só viu um homem disposto e pronto a servir os outros, que ele diz que foi muito socorrido pelo Fabrício.


Como era o nome do seu sogro?

José Bortolin.


Bortolin?

É.


Outras coisas a respeito do seu Fabrício das Neves que o senhor possa nos dizer? A região de Fragosos, a região de Itá, adiante ainda de Irani, por onde ele circulava, quais eram as atividades dele nessas regiões?

A atividade dele sempre prevendo pra, pra cultura, pra, pra formar pecuária e dar boa agricultura, sempre foi a iniciativa deles foi essa.


Quais eram os tipos de cultura que eles praticavam?

Ó essa era a maioria roça, mas roças muito grandes, feitas nas matas, porque naquele tempo eles faziam aí duas, três colônias de roça como diz, que eles faziam, era quatro cinco colônias de roças eles faziam, e depois soltavam os porco para que fosse criar lá, fosse consumir, cada um enchia o seu paiol de milho, né, porque comércio não tinha que tirasse, que se abastecesse, que desse para o homem e depois soltava a criação para criar carne, soltava vaca, porco, era o que mais eles lutavam por isso.


Então a produção era quase que essencialmente para o consumo?

Só para o consumo deles mesmo, porque comércio aqui não tinha.

(Continua dia 13.11.2008, quinta-feira)



Fazenda Bela Vista (Irani-SC), 1984. Danilo Carneiro e Ênio Staub entrevistam Antônio Martins Fabrício das Neves. A placa que ele mostra era usada em desfiles comemorativos do Combate do Irani nas décadas de 1970 e 1980. Foto: Dario de Almeida Prado. Acervo: Sérgio Rubin (Canga).


Quadro do pintor Willy Zumblick (Tubarão-SC, 1913-2008). Obra: "Terno-de-Reis do Irani".


Imagem de São João Maria. Reprodução: Dario de Almeida Prado. Acervo: Sérgio Rubin (Canga).


Concórdia-SC em 1926. Acervo: Museu Histórico de Concórdia.


Concórdia-SC na década de 1920. Acervo: Museu Histórico de Concórdia.


Campos do Irani-SC.