sábado, 8 de novembro de 2008

Avulsas (5)

"Maria Rosa", líder de redutos no Contestado.

"Portuguesa".
O "monge".



















Indígena.





"Indígena".




Cenas do desfile de 7 de Setembro de 2007 no Irani (SC), onde se destacaram as crianças vestidas como personagens da história local.

....

Nota
A partir de hoje deixo de postar aqui as imagens de Sambaqui (Florianópolis-SC), onde resido, ficando o espaço reservado apenas para as fotos obtidas nas andanças pelo Meio-Oeste catarinense e o Sudoeste do Paraná. Quem tiver interesse em conhecer esse lugar com cerca de três séculos de existência, pode acompanhar o blog http://sambaquinarede.blogspot.com/.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (7)

Antônio Martins Fabrício das Neves. Fazenda Bela Vista (Irani-SC). Foto: Margaret Grando (21.3.2007)

O blog e as fotos

As pesquisas sobre os antecedentes e personagens do combate do Irani deixaram como legado um corolário de perguntas, dúvidas e lacunas, mas que nos conduzem a novos caminhos. Essa é uma das razões desse blog: difundir a informação levantada, mesmo parcial e precária, como forma de incentivar novos trabalhos, alertar, chamar a atenção para aspectos até então pouco considerados, mas que diante de um novo quadro assumem diferentes significações. O blog permite esse diálogo, interrompe o monólogo.

As fotos, publicadas em volume significativo, muitas originais, estão divididas em três grupos: 1) reproduções em arquivos públicos e pessoais; 2) personagens entrevistados para o livro e o documentário em preparação, quase todos descendentes de combatentes do Contestado; 3) cenários e paisagens dos lugares percorridos. As fotos sem indicação de autoria são minhas, feitas com uma D-70, modelo simples da Nikon. Também fiz as reproduções, algumas tratadas por Ayrton Cruz para o livro “O mato do tigre e o campo do gato”.

Não vou entrar na discussão teórica sobre a imagem, porém estou entre os que enxergam a fotografia como fragmento do real (não como o real em si), mas uma visão (construção) do autor.



Uma visão de mundo

Abaixo, na íntegra, as Décimas de Antônio Martins Fabrício das Neves, escritas em meados da década de 1930, quando estava deixando a adolescência. Ele tomou como base os relatos de moradores mais velhos e parentes próximos. Para quem quiser se aprofundar na relação entre versos desse tipo e a importância da memória oral, pode consultar “Guerra do Contestado: mímesis e políticas da memória”, tese de doutorado de Susan Aparecida de Oliveira (UFSC, 2006). http://tede.ufsc.br/teses/PLIT0250.pdf


Décimas (*)

Antônio Martins Fabrício das Neves



Povoamento dos campos do Irani


"1: Falando em uma tragédia

quero contar em um segundo

que se deu cos moradores

que morava em Passo Fundo

quando o monge João Maria

caminhava pelo mundo

2: Na beira de uma estrada

o meu avô residia

na tarde de uma Sexta-feira

veja o que lhe acontecia

ele encontrou um velhinho

que ali ninguém conhecia

falando o velhinho disse

que era o monge João Maria

3: Falando, o monge indicava

A mais ou menos a 10 família

Que viessem embora

Para um lugar

que o monge conhecia

que era o sertão de Palmas

que nada lhe acontecia

4: Não ligaram ao que tinham

deixaram tudo de lado

muitos deles vieram a pé

carregando o revirado

a procura da floresta

que o monge tinha indicado

5: Vieram embora pro sertão

não foi atras de riqueza

vieram conhecer uma terra

toda cheia de beleza

ali criavam seus filhos

zelando da natureza

6: Nem um deles tinha estudo

mais tinham muita educação

usaram muito respeito,

muita consideração

assim fizeram sua vida

numa verdadeira união

7: Foi assim que eu fiquei

rico, cheio de tranqüilidade

essa riqueza que eu falo

é saúde e amizade

isto faz parte da vida

e traz muitas felicidades"


...

Combate do Irani

Esta é a recordação

do tempo da minha infância

pesquisei desde criança

gravando em minha memória

a realidade do passado

fui escrevendo rimando

a verdadeira história


João Gualberto já está vindo

Comandando um Batalhão

Trazendo em sua muamba

Metralhadora e canhão

Veio pra fazer banditismo

Com os caboclos do sertão


O monge mandou uma carta

escrita bem declarado

precisamos se falar

talvez teje mal informado

não precisamos brigar

por que não somos intrigado


Respeite meus sertanejos

que eu respeito teus soldados

não vamos fazer injusta

matar quem não é culpado


Coronel deu um sorriso

com olhar entusiasmado

eu não aceito esta carta

e muito menos o recado

porque já trouxe até as cordas

pra levar tudo amarrado


O monge ficou pensando

emocionado e indeciso

eu não queria brigar

mas brigo se for preciso

por que em Deus tenho confiança

palavra de corpo e alma

pra quem restar fica a herança

que há de servir de lembrança


Irani, sertão de Palmas

Foi assim que o Irani

serviu de cancha de guerra

viu seus filhinhos chorando

e as mulheres desesperadas

ver seus maridos em jornada

pra defender sua terra


O monge José Maria

com seu gesto de carinho

montou no seu cavalo

e disse ao Fabrício, baixinho

Eu vou na frente da tropa

Quero imitar uma choca

Quando está com seus pintinhos

Morrer na boca do bicho

Pra defender seus filhinhos


Fabrício vou te orientar

que vou morrer neste ato

mais tu não passe do meu sangue

volte de novo pro mato

no sertão tu será um tigre

e no campo vai ser um gato


Irani ficou em silêncio

o povo humilde rezando

as nossas mamães chorando

fazendo prece ao Senhor

de ver seus filhos lutando

manchado de sangue e suor


OH, nosso Pai Poderoso

olhaste para o Irani

ai pareceu milagre

da nossa Mãe Protetora

de vencer metralhadora

com facão de guamirim.


Que terrível madrugada

que terrível despedida

no espaço de uma hora

a causa foi decidida

hoje só nos resta o nome

de quem por nós deu sua vida


...


Rancho do Fabrício

1: Velho rancho de Taquara

na costa de um alagado

aonde nasce a saudade

quando recorda o passado

2: Velho rancho de taquara

tu não tá aqui pra bonito

recordação de um conflito

que deu no banhado grande

batalha do contestado

aonde foi derramado

miles de gotas de sangue.

3: Velho rancho de taquara

tu és medalha pra mim

foi de onde saiu marchando

um piquete desfilando

que terminaram peleando

nas coxilhas de Irani.

4: Velho rancho de taquara

eis o rancho do Fabrício

que aqui ainda resta um resquício

mais bem pouco que se escreve

trocar o nome está errado

mais o meu sempre assinado

como Fabrício das Neves.


....


Sertão de Palmas

1: Com licença meus amigos

vou contar onde fui criado

nasci em sertão de Palmas

um lugar muito falado

isto fica logo aí

num cantinho deste estado

2: Foi onde deu um combate

eu me gerei na fumaça

sô um xirú do trote duro

tenho um pouquinho de raça

num torneio de cultura

é difícil eu perde a taça

3: Oh, minha terra natal

tu não é mais como era

se acabou até meu ranchinho

na costa daquela serra

onde eu sentia o perfume

das flores da primavera

4:Querido sertão de Palmas

que hoje é Irani

que só me resta saudade

de quando eu te conheci

hoje não se vê mais nada

do que antigamente eu ví

era verde e amarelo

coberto de um céu anil

no oeste catarinense

era enfeito do Brasil

5: O velho sertão de Palmas

é a terra que eu nasci

é a minha terra natal

que eu amei desde guri

hoje só resta a saudade

de quando te conheci.


....


Canção do caboclo

1:Se me derem um espaço

a minha informa eu quero dar

eu hoje fui convidado

vir aqui para cantar

sou criado desta terra

para o senhor vou contar

as campinas Iranienses

é a minha terra natal

2: Na minha terra natal

me parece, estou falando

eu não sou profissional

canto só quando me mandam

com minha simplicidade

amigo, estou convidando

quem quiser nos visitar

nós recebemos cantando

3: Nós recebemos cantando

só com canções altaneiras

eu sou filho deste estado

desta terra brasileira

catarinense peitudo

que honra sua bandeira

é terra que já deu vida

pra muita raça estrangeira

4: Pra muita raça estrangeira

meu amigo, isto é verdade

mas somos todos irmãos

e usamos hospitalidade

pra cantar pra minha terra

meu peito sente vontade

pra vocês deixo um abraço

levo comigo a saudade

5: Levo comigo a saudade

deste macanudo povo

quem visitar nossa terra

se for velho fica novo

cantando pra minha gente

isto pra mim é um repouso

quem de mim sentir saudade

diga que eu volto de novo

6: se aqui eu voltar de novo

assim será meu desejo

onde sou bem recebido

pros mais velhos o meu abraço

e pras criancinhas um beijo

7: Pras criancinhas um beijo

meus amigos isto é verdade

sou filho de um sertanejo

nunca morei na cidade

sou um caboclo do sertão

e nunca me senti sozinho

vivendo com a natureza

no meio dos passarinhos


...


Exaltação da natureza

1: Alo, Alo Irani

hoje tu me vê cantando

eu canto pra espairecer

por que já nasci chorando

as belezas que tu tinha

teu filho está reclamando

2: Oh velho sertão de Palmas

Deferente hoje eu te vejo

Foi meu sertão favorito

Querência dos sertanejos

Foi tu que me viu nascer

Da mamãe ganhando beijo

3: A minha terra natal

quedele tuas belezas

os gananciosos chegaram

levaram tuas riquezas

tu não tem mais o que tinha

terminou até a natureza

4: Quedele o verde sertão

onde caía o sereno

aonde que eu morei

no tempo que era pequeno

hoje só vermelha a terra

ainda cheia de veneno

5: Quem conheceu minha terra

há trinta anos atrás

os campos cheios de gado

cerros cheios de pinhais

hoje quem te vê de novo

já não te conhece mais

6: Tudo isto aconteceu

só por causa do dinheiro

minha terra hoje pertence

só pros grandes fazendeiros

até os pobres passarinhos

os que não fugiram, morreram.


(*) As “Décimas” foram localizadas por Ivone Gallo e cedidas a Paulo Pinheiro Machado, que as publicou na tese de doutorado (Unicamp, 2001) sobre as lideranças do Contestado. Sua difusão aqui foi autorizada por ele, Machado. Os títulos são meus.





quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Avulsas (4)

Alfredo Wagner-SC

Coronel Vivida-PR

Coronel Vivida-PR, propriedade de Juca Perão.

BR-282, região de Curitibanos-SC.

Coronel Vivida-PR

Palmas-PR.

Sambaqui (Florianópolis-SC)

Vale do Rio do Peixe, próximo a Caçador-SC.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (6)

Bandeira do Contestado (lei nº 12.060 de 18.12.2001). Foto: Cibils

Maragatos de lenço branco

As regiões de Lages, Curitibanos, vale do rio do Peixe e o hoje chamado Oeste catarinense, serviram de refúgio aos combatentes maragatos (federalistas) da Revolução de 1893-1895. O professor Paulo Pinheiro Machado desenvolve uma linha de pesquisa nesse sentido. Fui descobrir isso depois de constatar a presença, no Irani, de antigos maragatos, como o próprio José Fabrício e o coronel Miguel Fragoso, personagem de quem falaremos na seqüência. Isso reforçado com as referências de Antônio Martins Fabrício das Neves de que os moradores vindos do Rio Grande do Sul para os campos de Palmas/Irani, atendiam um conselho do monge João Maria. Qual deles fica difícil dizer, mas vieram fugidos das perseguições. Tinham combatido ao lado dos federalistas derrotados.

O chamado Canudinho de Lages (1897), segundo Pinheiro Machado, foi um movimento que uniu a religiosidade de São João Maria com o federalismo remanescente. Uma evidência está na troca da cor dos lenços que usavam no pescoço: o vermelho tradicional dos maragatos pelo branco de São João Maria (mesmo que essa fosse a cor dos republicanos pica-paus, seus adversários). Cabe destacar que o monge José Maria de Castro Agostinho, chegou ao Irani pelas mãos de José Fabrício ou com o consentimento dele, também foi muito ligado a Miguel Fragoso, outro ex-maragato.

No vácuo do Estado

Muitos podem achar que estou querendo transformar José Fabrício da Neves de bandido em herói. Não é bem isso. Primeiro que nunca considerei José Fabrício um bandido. Segundo que não estamos em busca de heróis. Fabrício foi um produto de seu tempo, mais precisamente do espaço de tempo entre a República e a Revolução de 1930, quando prosperou o coronelismo (*). E que em resumo era o seguinte: na ausência das instituições do Estado, surgiam homens e grupos de homens que tomavam para si a administração das vilas e cidades, o que implicava, sobretudo, o monopólio do exercício da violência (principal característica do Estado, segundo autores como Sérgio Adorno e Simon Schwartzman).

Esse conceito até certo ponto complexo, a que me ative por algum tempo, estudando, foi resumido da seguinte forma pelo senhor Tranqüilo Petini, residente no Irani_SC: “Naquele tempo não tinha autoridade, então ele era o delegado e o juiz”. O senhor José Gomes segue na mesma linha. Diz que se houvesse um crime bárbaro, um latrocínio, por exemplo, e ficasse comprovada a culpa do sujeito, ele mandava matar. Esse jeito próprio de governar uma comunidade tinha respaldo oficial, nos diferentes escalões, envolvendo, a partir de 1918, no caso estudado, apoio eleitoral a dirigentes locais. Alguns aspectos desses envolvimentos vão ser detalhados adiante.

(*) Sobre fenômeno do coronelismo: José Murilo de Carvalho e Victor Nunes Leal. O contato com as obras desses autores antecedeu as pesquisas, quando tinha em mente o “coronel” José Fabrício que chancelou um acordo com a companhia colonizadora, dando origem ao nome do município de Concórdia-SC (anteriormente Queimados). Visava estudar o enfraquecimento do coronelismo em Santa Catarina através desse personagem.

Foi então que descobri o envolvimento de José Fabrício com o combate do Irani e sua parceria com o monge José Maria. Essa virada no rumo da pesquisa foi acompanhada de perto pelo professor Emerson César de Campos, meu orientador na Udesc, em Florianópolis-SC, com quem pude conversar a respeito. Ele assina a orelha do livro “O mato do tigre e o campo do gato”.

Fontes

Além das 30 entrevistas realizadas em cidades de Santa Catarina e do Paraná, e do Processo do Irani (1912, 518 páginas), estou me baseando também nos seguintes livros e autores:

O último jagunço, de Euclides Felippe (Curitibanos: Universidade do Contestado, 1995).

Voz de caboclo, de Pedro Aleixo Felisbino e Eliane Felisbino (Florianópolis: Ioesc, 2002).

Concórdia: o rastro de sua história, de Antenor Geraldo Zanetti Ferreira (Concórdia: Fundação Municipal de Cultura, 1992).

O Contestado: o sonho do milênio igualitário, de Ivone Gallo (Campinas: Ed. Unicamp, 1999).

Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado, de Maurício Vinhas de Queiroz (São Paulo: Ática, 1981).

O Oeste catarinense: memórias de um pioneiro, de José Waldomiro Silva (Florianópolis: Edição do Autor, 1987)

Lideranças do Contestado, de Paulo Pinheiro Machado (Campinas: Ed. da Unicamp, 2004).

Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla, de Marli Auras (Florianópolis: Editora da UFSC, 1997, 3º ed.).

A Guerra Santa revisitada: novos estudos sobre o movimento do Contestado, organizado por Márcia Janete Espig e Paulo Pinheiro Machado (Florianópolis: Editora da UFSC, 2008).

Versos

Sexta-feira, dia 7, serão disponibilizadas as “Décimas” escritas por Antônio Martins Fabrício das Neves, versos que inspiram o título de “O mato do tigre e o campo do gato: José Fabrício das Neves e o combate do Irani” (Florianópolis: Insular, 2007). O material produzido pelo senhor Antônio foi cedido por Ivone Gallo a Paulo Pinheiro Machado, que o publicou na tese de doutorado (Unicamp-SP, 2001) e, a pedido, autorizou o uso aqui no blog. Machado também encaminhou uma entrevista que fez com o sr. Antônio (Irani, 11/02/98).




"Arsenal" usado por Vicente Telles (Irani-SC) nas performances pedagógicas com estudantes e demais visitantes.

Mapa da área conflagrada. Trabalho do artesão Meinhard Horn. Reprodução: Cibils


Próximo a Lages (BR-116), complexo com restaurante, venda de artesanato, parque infantil e área de lazer e descanso, onde se destaca a escultura de São João Maria.








terça-feira, 4 de novembro de 2008

Representação do Contestado (Fraiburgo-SC)

Momentos da apresentação da peça “Contestado – Vida e realidade”, pelo grupo “Sangue Jagunço” (Fraiburgo-SC), com os quatro principais combates do Contestado: Irani, Taquaruçu, Caraguatá e Santa Maria. (Fraiburgo, 11 de outubro de 2007).



Ator Edmilson Cordeiro no papel do monge.



Ator Lindomar Palmeira (Kiko)
















segunda-feira, 3 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (5)



Mural na UnC Concórdia-SC



As pesquisas que conduziram ao livro “O mato do tigre e o campo do gato – José Fabrício das Neves e o combate do Irani”, não indicaram a presença do personagem no restante do Contestado. Encontrei referência (residual, digamos), à presença de José Fabrício com José Maria no Taquaruçu, antes do início dos confrontos. Lá por agosto de 1912. Indiquei no livro informações de Antônio Martins Fabrício das Neves na entrevista ao Arquivo Histórico de Concórdia, a respeito das ligações de José Fabrício e José Maria, com Praxedes Gomes Damasceno.

Contatos anteriores ao combate do Irani. O senhor Antônio dizia que Praxedes estava em Taquaruçu “botado lá” pelo Fabrício. Procurei verificar essa informação e descobri que Praxedes estava na área desde o final do século 19. E fiquei por ali. A informação não batia. Mas como esses velhos não mentem, e confirmei várias outras informações do senhor Antônio, todas bem precisas, é necessário aguardar que novas fontes forneçam os elementos que ajudem a fechar o quadro.

O cerco

O livro já estava circulando e eu prosseguindo com as pesquisas, quando me deparei com duas referências do general Setembrino de Carvalho, a respeito de José Fabrício, durante o cerco a Santa Maria, em 1915, fase final do movimento.

Apenas para nos situarmos, o conflito teve, a grosso modo, a seguinte seqüência: depois do combate do Irani (1912), o movimento recomeça no final de 1913, no reduto de Taquaruçu (hoje Fraiburgo), depois o reduto de Caraguatá e, por fim, o maior de todos, com cerca de cinco mil edificações, o de Santa Maria (1915).

Esses eram os redutos principais, mas existiram dezenas, menores. Entre 1913 e 1915, até o cerco de Santa Maria, executado meticulosamente por Setembrino de Carvalho, os rebeldes conquistaram uma ampla área no vale do rio do Peixe, mobilizando cerca de 20 mil pessoas.

“Notícias apavorantes”

O cerco a Santa Maria implicou o corte no fornecimento de gêneros, levando fome e o surgimento de doenças, e a conquista dos redutos satélites. Em seu “Relatório”, o general Setembrino informa que na véspera do ataque final a Santa Maria, surgiram “notícias apavorantes sobre nova revolta nas bandas do Irani”. (General Setembrino de Carvalho. Relatório. Campanha do Contestado. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial. s/d, p. 120)

Por causa disso, em março de 1915, expõe ao Ministro da Guerra: “Espero reduzir os bandoleiros do Santa Maria antes que aperte o frio. Mas como não há certeza da terminação da luta com a sua queda definitiva, porque se anuncia outro levante nas bandas do Irani, desejo aparelhar a tropa de recursos que a garantam contra os rigores do inverno”. (idem Relatório, p. 124)

Dessa vez foi a Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), que forneceu as evidências complementares: telegramas trocados entre o então Chefe de Polícia do Paraná, Vieira Albuquerque, e Setembrino de Carvalho, relacionados aos fatos no Irani. Nunca é demais lembrar que só depois de 1916, um ano depois, é que o Estado de Santa Catarina passa a administrar toda a região a oeste do rio do Peixe, onde estão os campos de Palmas/Irani.

Tudo começou com um telegrama do Chefe de Polícia ao general Setembrino, com base em informações transmitidas pelo subdelegado do rio do Peixe, Gonçalino Silva. “Infelizmente foram baldados todos esforços sentido manter sertão pacificado. José Fabrício está aliciando elementos dispondo seiscentos tantas Winchester. Ainda não fez hostilidades estando concentrados barra Jacutinga”. (Telegrama nº 569, de 4.3.1915, do Chefe de Polícia do Paraná, Vieira Cavalcanti, ao general Setembrino de Carvalho. CPDOC-FGV/FSC 15.03.04/5 – T. 7 antigo A 43).

“Levante próximo”

O Chefe de Polícia determinou então que o subdelegado Gonçalino reunisse forças e efetuasse a prisão de José Fabrício. O policial respondeu imediatamente por telegrama: “Cientifico não dispor elementos efetuar-se prisão José Fabrício. Individuo conta superior recursos meu contingente”. E que aguardava ordens do Chefe de Polícia. (Telegrama nº 10, de 5.3.1915, do subdelegado Gonçalino Silva ao general Setembrino de Carvalho. CPDOC-FGV/FSC 15.03.04/2 – T. 7 antigo A 43).

São com esses (e outros) elementos que trabalho no momento. Os arquivos do Exército (Rio) e do Paraná (Palmas, Curitiba) devem conter outras referências. Seu objetivo era romper o cerco de Santa Maria, com a passagem dos combatentes para os campos de Palmas/Irani, no outro lado do vale do rio do Peixe.

José Fabrício não foi batido nessa ocasião, como nos confirma a Mensagem Anual do governador Hercílio Luz encaminhado ao legislativo. Diz que ao assumir em 28 de setembro de 1918, “a situação no município de Cruzeiro era causa das maiores e justificadas apreensões”. Boatos, segundo ele, “os mais desencontrados e aterradores pareciam indicar um levante próximo de elementos perniciosos a frente dos quais se encontraria José Fabrício das Neves”. (Mensagem Anual. 1919. Governador Hercílio Luz). Tudo isso torna mais evidente a importância do aprofundamento das pesquisas, a diversificação das fontes e a releitura do que se escreveu sobre o tema Contestado.


QG de José Fabrício em Concórdia-SC.



José Fabrício das Neves (segurando o cavalo), ao lado de um Miguel (não identificado). Acervo: Reinaldo Antunes (Pinhão-PR)