domingo, 21 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (27)

Facões de madeira usados por alunos da rede pública
municipal de Irani-SC. Desfile de 7 de Setembro de 2007.


O combate na visão dos oficiais do Regimento (Fim)

Trechos do depoimento do capitão do Regimento de Segurança do Paraná, José de Souza Miranda, prestado em Palmas-PR no dia 14 de novembro de 1912. Era filho de Tristão Antônio de Miranda, estava com 32 anos de idade, era casado, nascido no Paraná e residente em Curitiba, sabendo ler e escrever.

Seguira no dia 19 de outubro de 1912 para o Irani acompanhando um contingente de 30 praças e dois oficiais (alferes Ribeiro Francisco Borges e Joaquim Antônio de Moraes Sarmento), sob o comando do coronel João Gualberto. Seguiram juntos acompanhando a força o comissário Nascimento e da fazenda São João em diante, se achava acompanhado do tenente Busse e do alferes Adolfo Guimarães, com um piquete de 20 praças de cavalo.

No dia 22, "pelas três horas da madrugada, levantaram o acampamento de frente a casa de Manoel Isack", pondo-se em marcha rumo a Irani. No total, 50 praças e sete oficiais – o coronel comandante, ele, Miranda, os tenentes Busse e Júlio Chavier (dentista), os alferes Libindo, Sarmento e Adolfo “e mais alguns paisanos que serviam de vaqueanos”, entre os quais um Camargo, Manoel Isack, Amazonas Pimpão e “um moço de nome Tonico, que acompanhavam João Gualberto e Nascimento".

Às 6h30, mais ou menos, chegaram ao local do combate. A infantaria estava dividida em três agrupamentos de 10 homens cada, sendo um sob seu comando, outro com Libindo e o seguinte com Sarmento. João Gualberto distribuiu as forças de Libindo e Sarmento à frente, sobre uma pequena colina. Duas sessões de 10 praças de cavalaria ficaram sob os comandos de Busse e Adolfo. Na retaguarda estavam a metralhadora com um sargento e três praças e o centro, sob o mando direito de Gualberto, que tinha a seu lado o “comissário Nascimento e os paisanos que acompanharam a força”.

O capitão Miranda ficou com um “morro próprio, a esquerda, fronteiro a colina onde os inimigos começavam a aparecer e sobre os quais foi rompido renhido tiroteio; que a direita do local, onde a força foi colocada, existia uma casa que se achava abandonada, cujo flanco ficou desguarnecido; que ladeando o morro com sua força, tomou a frente, que dava para o flanco direito, do local onde se achavam os inimigos, ele, respondente, rompe o fogo, contra os mesmos, conseguindo a viva fuzilaria fazer recuar os que por um flanco avançavam". Foi por esse flanco desguarnecido que chegaram os rebeldes, "em número muitíssimo superior" e "envolveram a sua pequena força, procedendo terrível carnificina a arma branca".

Miranda retornou com sua força para o lado do morro, em cuja base se travava o combate e "verificou com um golpe de vista, o desastre ocorrido, notando achar-se o local tomado pelos fanáticos que, em número superior a duzentos, dominaram completamente". Diante disso, "só restou-lhe continuar tiroteando-os, receber em sua força os dispersos, entre eles o alferes Sarmento e soldado Patrício, ferido, aquele gravemente, e ilesos o sargento Hermínio e anspeçada Bazílio".

A partir de certa altura não viu mais o coronel João Gualberto no combate, “nem o ouvindo mais", tendo "a sua frente fanáticos, em número mais de dez vezes superior". Sem poder enfrentá-los de frente "em vista do renhido tiroteio" procurou contornar a colina em que se achava. Depois disso não teve mais como resistir e se retirou com seus homens, "tiroteando sempre, de modo a conservar o inimigo a distância, até tomar o mato", onde "internou-se uns quatrocentos metros, mais ou menos".

Disse que "achando-se estropeado, teve de parar, seguindo a força com os respectivos sargentos, para a frente, ficando com ele respondente somente um soldado de sua companhia de nome Geraldo Antônio dos Santos, que o acompanhou até esta cidade”. Disse ainda que no dia 24 de outubro, passando pela casa de Manoel Isack, soube pelo sub-comissário de Rio do Peixe, “que ali se achava o resultado do combate em o qual infelizmente” morreu João Gualberto. (Processo do Irani, fls 111-113)



O alferes e o caboclo

O depoimento do alferes Libindo Francisco Borges, então com 43 anos de idade, se concentra no pós-combate e nos remete a umoutros personagem: José Alves Perão (José Felisberto), sobre o qual falaremos na próxima postagem.

Ferido a bala no braço esquerdo e com um golpe de facão na costela inferior do mesmo lado, Libindo se embrenhou pela mata, onde encontrou o colega Moraes Sarmento em situação ainda pior. Os dois seguiram por por cerca de dois quilômetros até a beira de um córrego, onde foram encontrados por um grupo de aproximadamente 25 caboclos, todos com fita branca nos chapéus, armados de lanças, espadas e pelo menos uma garrucha. Eles apontaram as armas. Em meio a um “vozerio infernal”, Libindo ouviu:

- Entregue-se, si não morre já, ameaçou um caboclo.

Libindo desembaiou sua espada e disse que preferia a morte a entregar-se. “Nesse momento, um dos bandidos gritou” que deveria ser morto.

- Não, homem dessa natureza não se mata, disse Perão, sendo obedecido pelos demais.

Perão se dirigiu a Libindo:

- “Entregue-se amigo”, disse, convidando-o a ir ao acampamento, onde seria "tratado e curado”.

Libindo recusou, disse que só iria morto. E que só se entregaria se tivesse garantias de vida, “tirando-lhe daquele inferno”.

Em seu depoimento, Libindo diz que foi “saqueado” em “500 e tantos mil réis, revólver e espada [...]”.

Perão o levou por cinco ou seis quilômetros até a estrada para Campos Novos, onde lhe entregou 30 mil réis – “dizendo, para não morrer a míngua”.

No caminho os dois conversaram bastante. Perão, chegada a uma prosa, lhe disse que se a força do Governo tivesse 300 ou 400 homens, ainda assim “seria toda derrotada”.

- Entraram em combate apenas 360 a 400 homens. Os outros ficaram “de prontidão, como reforço”. Eles só entrariam em ação se o contingente comandado por José Maria fosse derrotado.

Perão e muitos dos homens que o acompanhavam não chegaram a entrar na luta.

- Nós ficamos na reserva, "guardando o flanco esquerdo da estrada, no sertão".

Libindo mais ouvia do que falava. E observava os rebeldes. Havia um com entre 19 a 20 anos de idade, "branco, estatura regular, vestia roupa de brim pardo, estava de botas e sem espora" Outro, com 40 a 50 anos, tinha "cor acaboclada" e "também vestia roupa parda, de botas e sem espora". Um caboclo se aproximou de Libindo e puxou conversa.

- Sou afilhado de José Maria, disse.

Garantiu que "combatera unido a seu padrinho que havia morrido em combate, ferido por cinco ou seis balas".

Segundo esse caboclo, foram as seguinte as últimas palavras de José Maria:

- Olhe para mim, que lhe sirva de exemplo.

Outros disseram o mesmo, ou seja, que haviam acompanhado José Maria desde Campos Novos e que só "escaparam de serem mortos devido a posição" em que se encontravam no entrevero.

Libindo seguiu em direção a Caçadorzinho. Na localidade de São João encontrou seis soldados do Regimento, alguns feridos. Juntos se dirigiram a Palmas. (Processo do Irani, fls 46-50)


Irani-SC, desfile de 7 de Setembro de 2007.


O relógio de Moraes Sarmento

No depoimento cujos trechos foram reproduzidos na postagem passada (nº 26), o alferes Moraes Sarmento disse que fora acolhido por Lúcio Roberto em sua casa. E que Pedro, morador da mesma casa, pedira seu relógio e ele não dera, alegando ter custado 250 mil réis. “Pedro, depois de o insultar muito, levantou-se do lugar em que estava sentado, dirigiu-se para o respondente e [...] o relógio que se achava no bolso da túnica, disparando em seguida pelo mato”. (Processo do Irani, fls 68-71)

O menor José Pinheiro dos Santos, também apresentado anteriormente, disse que após o combate encontrara na floresta “um oficial da Polícia que apresentava dois ferimentos, sendo um nas costas e outro no rosto". O oficial pediu a um caboclo de nome Pedro que o levasse a casa de Manoel Isack, no Caçadorzinho, "prometendo-lhe pagamento, no caso Pedro lhe fizesse esse favor [...], o que não foi feito devido ter Pedro pedido o pagamento adiantado". Nesta ocasião Pedro, "de lança em punho, ameaçando ao oficial, tirou do bolso deste um relógio e cinqüenta mil réis em dinheiro, deixando o oficial no mesmo lugar, encostado sobre uma pedra, dizendo que não o tirava dali, sem que o mesmo não o pagasse adiantadamente, pois eles soldados eram muito velhacos e não tinham palavra”. (Processo do Irani, fls 100-104)

Após o combate, o lavrador Emiliano Martins Moreira, 48 anos, viúvo, nascido no Rio Grande do Sul e residente no Irani, conversou demoradamente com José Alves Perão. Soube "que o monge havia combatido com a força do Governo no lugar denominado Banhado Grande de Irani e de cujo combate morreram diversas pessoas", entre as quais o próprio monge. José Felisberto (Perão) deixara "o combate com alguns companheiros, encontrando no mato alguns oficiais da Polícia, muitos feridos. Perão os auxiliou, quis levar um deles até sua casa mas ele não aceitou".(Processo do Irani, fls 40-41)

Ao solicitar a prisão preventiva dos 63 denunciados no inquérito conduzido pelo comissário nascimento Sobrinho, o promotor público Augusto de Souza Guimarães pede que sejam localizados e devolvidos o relógio de ouro do alferes Samento, levados por "Pedro de Tal ou por Manoel Bandeira", esse último falecido em combate. O relógio "consta achar-se em poder do coronel Fragoso, que conseguiu reavê-lo, sendo também tomadas as suas declarações a respeito". O promotor informa que "relativamente a uma nota de cem mil réis (100$000)", a mesma fora "resgatada pelo alferes Deocliciano, atual Sub-Comissário de Polícia do Rio do Peixe e que pertencia aquele oficial [Sarmento]". Palmas-PR, 11 de março de 1913. (Processo do Irani, fls 209-210)

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