domingo, 30 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (18)

"Vigília no campo", óleo de Willy Zumblick.


Felipe Manoel dos Santos

Felipe Quitério, o combatente

Francelina Bueno dos Santos, 25 anos, casada com Manoel Pereira dos Santos, já estava acordada no final da madrugada de 22 de outubro de 1912. Foi surpreendida com a chegada em sua casa do comandante do Regimento de Segurança do Paraná coronel João Gualberto, acompanhado de um piquete (grupo de militares) e alguns civis. O piquete seguiu para a casa de Bento Quitério e o oficial permaneceu mais algum tempo debulhando milho para dar aos cavalos. Tiros foram ouvidos. João Gualberto seguiu em frente. Francelina fechou toda a casa e se retirou para o mato, indo buscar abrigo na residência de João Rosa.

Uma irmã de Francelina, Clementina Bueno dos Santos, estava com cerca de 60 anos de idade, era casada com Bento Quitério, como era conhecido Bento Manoel dos Santos, 41. Foi no quintal de sua casa que o coronel João Gualberto montou a metralhadora para enfrentar os caboclos rebelados. Sabendo com antecedência da chegada de uma força vinda de Curitiba, ela tratou de se deslocar com o marido e os filhos Alfredo, Saturnino e Felipe para a casa de Fidêncio Fabrício das Neves, não muito longe de onde morava Miguel Fabrício. As filhas do casal, Emília, Maria e Guilhermina os acompanharam.

Alfredo, filho de Clementina e Bento, com cerca de 20 anos, morreu no combate. Tombou depois que uma bala lhe atravessou a cabeça. O corpo foi resgatado pelos irmãos Alfredo e Saturnino. Estava a pouco mais de cem metros da casa onde a família morava. O corpo de Felipe foi levado nos braços até onde estavam os cavalos e colocado sobre um deles, seguindo até a igreja, dentro de onde foi deixado, a conselho de Miguel Fabrício que residia nas proximidades. Ele os mandou se esconderem no mato e aguardar os acontecimentos.

Ao percorrer o quintal de sua casa onde se dera o combate, Bento Quitério ficou desolado, pois “ainda existiam alguns cadáveres, estendidos no gramado”, não tendo deixado que a família se aproximasse. Apenas uma nora sua, Maria da Glória, entrou para apanhar alguns objetos e os levar ao paiol onde estavam. Na volta, Maria relatou ter visto mais defuntos. (2)

“Que Bento Manoel dos Santos, conhecido por Bento Quitério, em seu depoimento a fls 120, é contraditório negando estivesse em combate, quando é citado por outras testemunhas de vista, e não afirmando que seus filhos tivessem tomado parte em luta, mais adiante confessa que seu filho Felipe havia sido retirado do local de combate já moribundo”. (Oitava conclusão. Relatório do Inquérito/Processo do Irani, 1912, Palmas-PR)


"Conselho de guerra do monge José Maria", óleo de Willy Zumblick.


Abaixo alguns trechos de depoimentos da fase de inquérito do Processo do Irani (Palmas-PR, 1912) e que confirmam a participação de quase toda a família Santos (Quitério) no combate do Irani. É importante destacar que nos depoimentos nenhum dos Quitério assume essa participação – a mesma postura adotada por outros, conforme veremos na seqüência. A presença deles no combate é destacada por outros depoentes, cujos testemunhos são indicados abaixo. As 518 páginas do Processo foram fotografadas pelo professor Paulo Pinheiro Machado, que me cedeu uma cópia.


Folha de rosto do Processo do Irani. Reprodução: Paulo Pinheiro Machado.

Depoimento de Bento Manoel dos Santos (Bento Quitério)
(Folhas 126 e 127)
“Auto de perguntas feitas a Bento Manoel dos Santos, vulgo Bento Quitério”, em 19.11.1912, no Faxinal dos Fabrícios, em casa de João Roza.
Estava com 41 anos, era casado, lavrador, filho de Sypriano Manoel de Oliveira, natural do Rio Grande do Sul e residente no Banhado Grande, onde ocorreu o combate. Não sabia ler nem escrever.
No dia do combate ele estava na casa de Fidêncio Fabrício no Faxinal onde “esteve em companhia de sua família exceto dois filhos seus de nomes Alfredo e Felippe, os quais o respondente não afirma terem, ou não, tomado parte no combate, pois seu filho de nome Felipe foi ferido, tendo recebido um balaço na cabeça que a atravessou de um lado para outro o qual foi encontrado moribundo no lugar do combate de onde foi retirado por seus irmãos Alfredo e Saturnino; que o conduziram para o Faxinal onde foi enterrado atrás da Igreja, presumindo por isso, o respondente, que seus filhos foram iludidos pelo Monge e por isso obrigados a tomarem parte no combate; que o respondente foi ao acampamento do Monge duas vezes, quando este estava acampado na casa de Thomaz Fabrício, tendo depois disso o respondente encontrado-se, diversas vezes, com o Monge, quando este esteve acampado na casa de Miguel Fabrício”.
Disse que nas ocasiões em que esteve no acampamento do Monge, “notou a presença de duzentos homens, mais ou menos, e muitas famílias; que [...] viu muito armamento como Winchester, espadas e outras armas de fogo”; em conversa com o Monge, “soube deste que tinha vindo de Campos Novos ou Curitibanos, e que tencionava parar na Barra do Jacutinga, onde ia residir com a sua gente”.
No dia 20 de outubro, ele “retirou-se de sua casa com sua família, indo também em sua companhia” os filhos [...].
[...] “do Banhado Grande avistou que nas imediações de sua casa, onde tinha se ferido o combate, [...] existiam alguns cadáveres, estendidos sobre o gramado”. Como toda a sua família, Bento ficou impressionado com a cena e por isso “não continuaram a fazer reconhecimento do que existia no lugar do combate, tendo somente sua nora de nome Maria da Glória chegado na casa de onde retirou alguns objetos de que careciam levar para o paiol, e tendo esta contado ao respondente ter visto alguns defuntos inclusive o Monge que se achava junto a um cercadinho, pois a mesma reconheceu perfeitamente o Monge devido tê-lo visto em vida quando este achava-se acampado na casa de Miguel Fabrício”.
Ele ignora que outras pessoas do lugar tenham participado do combate ao lado do Monge; como testemunhas de que não participou do combate e se dirigiu a seu paiol, cita Emília e sua filha Maria, e também Guilhermina, “que o acompanharam” até o citado paiol. Só retornou a sua casa no dia 12.11.1912, onde se acha. (Lindolpho José Gonçalves assinou por ele)

Os Quitério moravam nessa região. Foi ao lado da residência de Bento que o coronel João Gualberto montou a famosa metralhadora que não funcionou. O combate do Irani aconteceu nessa área, hoje coberta por um denso bosque. Fonte da imagem: "Álbum do cinqüentenário do município de Joaçaba". Alexandre Muniz de Queiroz. Curitiba: IP, 1967.


Depoimento de Georgina Lemes da Silva
(Folhas 135 e 136)
“Auto de perguntas feitas a Georgina Lemes da Silva”, em 20.11.1912, em casa de João Roza. Tinha 32 anos, era casada, natural do Rio Grande do Sul, residente no Faxinal dos Fabrícios, não sabendo ler nem escrever.
“[...] que dos moradores do lugar ela não sabe se tomaram ou não parte no combate, a não ser um filho de Bento Guitério e José Fabrício; [...]”.
Disse que os familiares de Bento Quitério freqüentavam o acampamento do Monge, “mesmo no dia do combate, que só se retiraram do acampamento após o combate embrenhando-se no mato; que a família de Manoel Pereira também estiveram na segunda-feira, vinte e um, no acampamento do Monge, bem como a de João Quitério”.[...] (João Antônio da Roza assinou por ela).

Depoimento de Francisco Kades
(Folhas 137)
“Auto de perguntas feitas a Francisco Kades” em 20.11.1912, na casa de João Roza, no Faxinal dos Fabrícios (Irani). Tinha 47 anos, era casado, lavrador, natural do Rio Grande do Sul, residente no Faxinal dos Fabrícios, sabendo ler e escrever.
“[...] que sabe que José Fabrício esteve no acampamento do Monge e que um filho de Bento Quitério pereceu no combate [...]”.

Depoimentos de Clementina Bueno dos Santos
(Folhas 143 e 144)
“Auto de perguntas feitas a Clementina Bueno dos Santos”, em 20.11.1912, no Banhado Grande, na casa de Bento Quitério, “onde se feriu o combate”. Tinha 60 anos, casada, natural do Rio Grande do Sul, profissão doméstica, residente no Banhado Grande, na casa onde seu feriu o combate. Esposa de Bento Quitério e mãe de Felipe.
Que em 22 de outubro se refugiou na casa de Fidêncio Fabrício, que “fica a três quadras, mais ou menos, distante da casa de Miguel Fabrício”, onde o Monge estava acampado; “...que para ali foi com toda a sua família no domingo, vinte do mesmo mês, devido os boatos” sobre a “entrada de forças no Irani, e como sua casa se acha colocada a beira da estrada, achou conveniente se retirar”.
E que na terça-feira, “muito cedo, a respondente não viu mais seus filhos Alfredo, Saturnino e Felipe, sabendo que Felipe tinha vindo ao Banhado Grande procurar um cavalo; que logo depois apareceram seus filhos Alfredo e Saturnino e lhe disseram que Felipe tinha morrido no combate; que seu marido no dia vinte e dois não veio ao Banhado Grande, que no dia do combate, logo após a notícia do desastre, saíram da casa de Fidêncio e foram pousar escondidos em um paiol; que na quarta-feira, vinte e três, saíram desse paiol em direção ao paiol da respondente, uns a cavalo e outros a pé, e que então passaram na costa do banhado que é próximo a casa e do lado esquerdo, chegando então na casa de sua nora Maria da Glória dos Anjos, que lhe contou que na frente de casa e no lado esquerdo desta muitos cadáveres e no fundo viu e reconheceu o cadáver do Monge e mais um indivíduo paisano, próximos um do outro, sendo que o Monge estava dentro de um pequeno cercadinho e que na costa do banhado também tinha um cadáver”.
Sua nora que havia chegado em casa para buscar alguns mantimentos voltou, seguindo ao paiol “ao anoitecer e onde estiveram quase quinze dias, regressando depois para esta casa onde encontraram todos os destroços das forças do Governo e os cadáveres já sepultados em valetão a setenta metros, mais ou menos, do lado esquerdo da casa, na costa do banhado e o Monge nos fundos da casa a vinte metros da mesma; que seus filhos há dias se acham no paiol, digo, no sertão em busca de um lugar para fazer uma nova morada; que em sua casa quando chegaram encontraram suas camas ensangüentadas e que encontrou as portas todas fechadas”. E que não sabe mais nada. José Júlio Farrapo assinou por ela.

Depoimento de Francelina Bueno dos Santos
(Folhas 145 e 146)
“Auto de perguntas feitas a Francelina Bueno dos Santos”, dia 20.11.1912, na casa de Bento Quitério, no Banhado Grande de Irani. Tinha 25 anos de idade, era casada, natural do Rio Grande do Sul, residente no Banhado Grande, próximo à casa de Bento Quitério, não sabendo ler nem escrever. (Francelina era tia de Felipe)
Disse que em 22 de outubro, “antes de abrir o sol, chegaram em sua casa o comandante da polícia e um piquete de cavalaria e perguntaram onde estava seu marido; que sabido isto, o piquete seguiu para a casa de sua irmã, ficando em sua casa o Comandante; que momentos depois, ouviu-se uns tiros e o Cel João Gualberto foi para o lado de seu piquete; que depois cessaram os tiros e o Coronel Comandante voltou para a casa de Bento Quitério com seu piquete; que após isto chegou em sua casa um moço que ali tinha estado com o Comandante da Polícia, e agora ia sozinho e que neste momento reconhece ter sido o Comissário Nascimento, perguntando-lhe se os homens já tinham vindo, ao que ela respondeu negativamente; que então o Comissário retirou-se e ela respondente, com medo fechou a sua casa e retirou-se, pelo mato, para a casa de João Roza”.
No caminho “ouviu forte tiroteio no Banhado Grande, e, que chegando na casa de João Roza foi para a cozinha, não vendo quem passava pela estrada; que seu marido se achava ausente, tendo ido levar uma filha casada em casa do marido desta; que a não ser Felipe Quitério, seu sobrinho, que morreu no combate, não sabe de outros nem por ouvir dizer”. Manoel Pereira dos Santos, seu marido, assinou por ela.

Depoimento de Saturnino Manoel dos Santos
(Folhas 151 e 152)
“Auto de perguntas feitas a Saturnino Manoel dos Santos”, dia 21.11.1912, na casa de José Júlio Farrapo, no Campo Comprido (Irani). Tinha 21 anos, era solteiro, natural do Rio Grande do Sul, residente no Banhado Grande, não sabendo ler nem escrever. (Filho de Bento, irmão de Felipe)
No dia do combate estava hospedado da casa de Fidêncio Fabrício, próximo ao lugar em que o Monge se achava acampado, e, que no mesmo dia, muito cedo o respondente e seus irmãos Alfredo e Felipe saíram para o campo em procura de seus animais; que dali a pouco ouviram um tiroteio no Banhado Grande, em frente à casa do respondente e que nessa ocasião, grande número do grupo do monge e, que já estavam de volta do combate, ao aproximarem-se da porteira [...] da casa de Fidêncio Fabrício, onde o respondente e seu irmão Alfredo souberam que seu irmão Felipe estava ferido no Banhado Grande”.
Saturnino estava encilhando o cavalo e foi imediatamente ao Banhado Grande, com o irmão Alfredo, “isto quando regressavam os fanáticos do Banhado Grande, pois em caminho ainda encontraram muitos, a pé e a cavalo; que nas proximidades do lugar de combate deixando seus animais seguiram a pé e nas proximidades da casa, isto é na frente da mesma, a umas quarenta braças, estava seu irmão morto com um balaço na fonte; que Alfredo e ele respondente pegaram o cadáver [...] de Felipe e o conduziram até onde se achavam os animais e ai Alfredo montando, pôs o cadáver no cavalo e o conduziram até a Igreja onde o deixaram e seguiram para o mato”.
O comissário Nascimento pergunta quem lhe contou sobre seu irmão Felipe ferido. “[...] respondeu que outros que estavam por ali isso disseram, não sabendo quem foi que disse. Perguntado com quem se encontram na estrada quando foram buscar o cadáver de Felipe, Saturnino responde que “encontram muita gente do Monge, que vinham do combate, não conhecendo nenhum e não vendo entre estes nenhum ferido”.
“[...] Perguntado que distancia tem da casa em que pousavam, ao acampamento do Monge e se não viu quando este e sua gente partiram para o Banhado Grande, respondeu que não viu quando o Monge partiu, porque estava no potreiro; que não viu quando o Cel Soares foi ao acampamento do Monge porque nessa ocasião estava tirando folhas para seus cavalos, e nem disso teve ciência; que não assistiu a missa que o Monge rezou; que o respondente esteve dois dias no acampamento do Monge, usando o distintivo do Monge que era uma fita branca em volta do chapéu, cuja fita só depois do combate lhe tiraram do chapéu, não sabendo quem a tirou; que não pode afirmar se seu irmão Felipe tomou ou não parte do combate; que quando de volta ao Banhado Grande, trazendo o cadáver de seu irmão, ainda encontraram Miguel Fabrício e família em casa, os quais lhe disseram que deixassem o cadáver na Igreja e corressem para o mato, o que fizeram”.

Depoimento de Honorato Rodrigues dos Santos
(Folhas 152b e 153 )
“Auto de perguntas feitas a Honorato Rodrigues dos Santos”, em seguida, no dia 21.1.1912 na casa de José Júlio Farrapo, no Campo Comprido (Irani). Honorato tinha 25 anos, era solteiro, lavrador, natural do RS, residente no Irani, não sabendo ler nem escrever.
No dia 22 de outubro, estava no paiol de José Júlio Farrapo em companhia de seu cunhado Francisco Fortunato, onde permaneceu até o dia 15, quando chegaram um oficial e 14 praças, que jantaram e pernoitaram no local, seguindo depois para a casa de José Júlio. “[...] que até então não sabia do combate [...] e que este oficial é que lhe contou”. Ele continuou no paiol, onde não apareceu mais ninguém.
“[...] que sabe por ser voz geral que Bento Quitério e seus filhos Adolpho, Saturnino e Felipe, tomaram parte no combate, bem como José Fabrício”, nada podendo informar sobre o Monge o sua participação no combate. Só sabe o que lhe contaram as praças – muitas mortes, inclusive a de João Gualberto Lindolpho José Gonçalves assinou por ele.

Depoimento de Alfredo Manoel dos Santos
(Folhas 153)
“Auto de perguntas feitas a Alfredo Manoel dos Santos”, em seguida no mesmo dia e local. Tinha 22 anos, era casado, lavrador, natural do Rio Grande do Sul, residente no Banhado Grande do Irani, sabendo ler e escrever. (Filho de Bento, irmão de Felipe).
“Em dias de outubro” último, chegou ao Faxinal do Irani o Monge José Maria, acompanhado de 40 homens, hospedando-se na casa de Thomaz Fabrício por quatro dias, seguindo para a casa de Miguel Fabrício, “onde aumentou o número de sua gente”. “...que em um domingo o Monge rezou uma missa na Igreja ali existente; que o respondente soube” da presença do coronel Domingos Soares no dia 21 de outubro, quando foi tratar de “paz e que após este retirar-se o Monge saiu com um piquete para o lado do Banhado Grande, de onde só regressou de madrugada”.
Alfredo disse ter ficado na casa de Fidêncio Fabrício, “nas proximidades do acampamento do Monge” e que no dia do combate “acordou-se com um barulho de gente e que ouviu um tiroteio cerrado e indagando soube que o povo do Monge estava brigando no Banhado Grande com as forças do Governo”. “[...] que sabendo disto, correu ao potreiro com seu irmão Saturnino, pegaram os animais seus e voltaram a casa de Fidêncio e ali souberam por pessoas do Monge, que vinham voltando do Banhado Grande que seu irmão Felipe” havia morrido no Banhado Grande.
Ele e seu irmão se dirigiram imediatamente ao local, apeando e seguindo a pé, encontrando o irmão morto a cerca de 60 braças da casa em que moravam. “[...] ergueram o cadáver e conduziram até onde estavam os animais e ali o respondente montou tomando o cadáver no colo e o conduziu até a Igreja, onde o deixaram; que nessa ocasião viu nas proximidades da casa de Miguel Fabrício um indivíduo que lhe parece chamar-se Avelino e que fazia parte dos Doze Pares, encostado a cerca, com um balaço no peito e outro na barriga, outro no braço e outro no quarto, ouvindo o respondente esse indivíduo dizer: não basta gastar tudo quanto tinha, ainda mais agora estar vendo a morte com os olhos” [assinalado no original]. “[...] que esse indivíduo era quase preto e pegava um cavalo alazão pela rédea”.
Soube que o Monge, ao se dirigir para o Banhado Grande, no dia do combate, disse em frente ao cemitério: “Povo cumpram ordens, tenham vergonha, não se misturem com os pares, que se a força do Governo forem até cem eu com os pares damos conta” [assinalado no original]; “[...] que então marchou na frente com os doze pares; que sabe por ouvir dizer que esses pares morreram quase todos e os que não morreram estavam feridos; que sabe que no combate morreu” o Coronel João Gualberto e o Monge. Ao se dirigir para o Banhado Grande no dia do combate “encontram no caminho com muita gente, do Monge, correndo, entre outros dois feridos, não podendo conhecer nenhum destes [...]”. Garantiu que ele, seu irmão e seu pai não participaram no combate.

Depoimento de João Moreira Paz
(Folhas 155, 156 e 157)
“Auto de perguntas feitas a João Moreira Paz” no dia 22.11.1912, em Campo Comprido (Irani). Estava com 38 anos, casado, lavrador, natural do Rio Grande do Sul, residente no Banhado Grande de Irani, não sabendo ler nem escrever. (Irmão de Bento Quitério)
Que em 15 de outubro chegou na casa de Thomaz Fabrício um “homem intitulado Monge de nome José Maria, acompanhado de quarenta ou cinqüenta homens, mais ou menos, ali acampando-se”. João esteve na casa de Thomaz, quando “viu os referidos homens”. Soube que após três dias foram para a casa de Miguel Fabrício, onde ficaram até o combate. No dia 21 de outubro, o Coronel Domingos Soares “esteve no acampamento do Monge, não sabendo fazendo o que; que nesse mesmo dia o Monge, à tarde, montou a cavalo com um piquete, dirigindo-se para o lado do Banhado Grande e só voltando madrugada”.
No dia 21 de outubro, à “noitinha, chegou em casa de Fidêncio Fabrício, que dista pouco mais de meia légua de sua casa, onde estava sua família”. No dia 22 de outubro, de manhã, foi ao potreiro buscar seu cavalo e aí demorou-se duas horas, mais ou menos, e voltando a casa de Fidêncio, onde encilhou seu cavalo, ouviu forte tiroteio e famílias correndo da casa de Miguel Fabrício, em vista do que também correu para o mato”, onde ficou até o dia seguinte. No final da tarde encontrou sua família numa casa, indo todos para seu paiol, onde permaneceram por vários dias.
Disse não ter visto quando José Maria e seu povo saíram para o Banhado Grande, “por estar no potreiro nessa ocasião”. “[...] que quando saiu para o potreiro deixou na casa de Fidêncio os filhos de Bento Quitério de nomes Alfredo e Saturnino e que nessa ocasião o Monge ainda estaria com o seu pessoal no acampamento e que na volta não viu os filhos de Bento”. Diz não ter assistido “a missa que disse o Monge no domingo vinte; que sabe que no combate morreu um filho de Bento Quitério de nome Felipe, cujo cadáver foi transportado por seus [...] irmãos e sobrinhos Alfredo e Saturnino no mesmo dia do combate, do Banhado Grande para a Igreja do Faxinal”.
Durante o tempo em que permaneceu no potreiro, “ninguém mais foi ali, pegar animais”, não tendo visto ninguém ferido, “nem os que voltavam do combate”. Disse saber que “José Fabrício tomou parte no combate; que Bento Quitério, seu irmão, e Felipe, isto é, irmão do respodente, não pousaram na casa de Fidêncio onde se achava a família de Bento, calculando o respondente que eles tivessem pousado no acampamento do Monge”, na noite de 21 para 22 de outubro. “[...] não sabe que o Monge tinha doze homens, aos quais chamava de Doze pares”.
Sabe que “no dia do combate, muito cedo, foi um indivíduo ao acampamento do Monge avisar este que as forças estavam no Banhado Grande”, não pode “informar quais as pessoas que atacaram as forças do lado do Monge, por não saber e finalmente que nada mais sabe, nem por ouvir dizer, nem mesmo quantas pessoas tinha o Monge; que a casa do respondente fica nas proximidades do local do combate e que no dia do combate a família dele respondente estava em casa, de onde correram na hora do tiroteio exceto ele respondente que estava em casa de Fidêncio Fabrício, que é muito próximo ao acampamento do Monge e onde tinha ido, afim de tomar um conselho com o Coronel Fragoso, que ali se achava e que este lhe disse que não se envolvesse no movimento e que fosse para sua casa”.
No dia 24 de outubro, “vindo a sua casa e passando pela casa de Bento Quitério viu ali algumas pessoas que ali tinham ido dar sepultura aos cadáveres, que então fez uma cova e retirou-se para sua casa não assistindo o enterro; que nessa ocasião viu ali muitos cadáveres, não sabendo quantos, inclusive o do Monge José Maria que estava dentro de um cercadinho, nos fundos da casa”. Disse não haver reconhecido nenhum dos mortos, “a não ser o Monge”. Não ajudou no enterro até o fim porque “estava com pressa e ainda queria voltar ao seu paiol”.
“Perguntado se sabia que aqueles homens ali estavam com o sub-comissário Heliodoro, afim de sepultar os cadáveres, responde que não sabia, que estava passando por ali, em direção a sua casa, foi que os encontrou. E como nada mais disse [...]”. José Júlio Farrapo assinou por ele.

Depoimento de João Antônio de Oliveira
(Folhas 169b, 170 e 171 )
“Auto de perguntas feitas a João Antônio de Oliveira”, 38 anos, viúvo, lavrador, natural de Santa Catarina, residente no Rio Bonito do Irani, não sabendo ler e escrever.
“[...] sabe que um filho de Bento Quitério de nome Felipe morreu no combate” e que José Fabrício “tomou parte no combate ao lado do Monge [...]”.

Um comentário:

  1. enquanto as cores das peles forem consideradas maior que o brilho dos olhos;haverá guerra

    ResponderExcluir