sexta-feira, 28 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (17)

Lagoa do Irani (SC). Registro em 23 de agosto de 2008.


Com quanta aleivosia
se faz um José Maria



Dois autores com ampla convivência entre os caboclos da região do Contestado ouviram, anotaram e publicaram depoimentos de dezenas de pessoas ao longo de décadas, como é o caso do topógrafo Euclides Felippe. Pedro Felisbino também. Nascido em Santo Amaro da Imperatriz, no litoral catarinense, desde jovem convive com os moradores de Taquaruçu e, ultimamente, está se graduando em História pela UnC. Os dois provam ser possível um relato com base nas memórias desses caboclos, o que nos leva a um questionamento profundo do que tem sido escrito sobre o tema. No caso específico, vamos acompanhar depoimentos que dão outro rosto a José Maria de Castro Agostinho, o monge José Maria.



PEDRO FELISBINO

As virgens

Pedro Felisbino conheceu três virgens: Isabel, Sinhana e Cecília.

Dona Isabel era sogra de seu tio Pedro Lorenzi. “Conseguiu fugir do massacre do Taquaruçu, com sua mãe, que era esposa de Praxedes”. Depois da guerra constituiu família e morreu devido a idade avançada. Está sepultada no cemitério de Taquaruçu e Cima.

Sinhana já era casada e tinha quatro filhos quando ajudava José Maria. Seu marido, conhecido por Cabeça, foi morto por Benedito Chato. Depois da guerra se casou com Marcos Tomaz e ficou conhecida como Ana do Marcos.

Cecília era mãe de um vizinho de Felisbino. Sobreviveu ao bombardeio de Taquaruçu. Casou-se e teve muitos filhos.

As seis virgens que ajudavam José Maria “concentravam-se e posicionavam as mãos sobre os pacientes transmitindo energias unidas a José Maria, que tinha grande poder de cura, e por mais grave que fosse a doença, ali no momento, todos se encontravam com aspecto de curados”.

Se José Maria tivesse “abusado” de algumas das virgens, não teria saído de Taquaruçu para morrer no Irani: os pais das moças “o matariam” antes. (p. 37)


Relato de Alcides Webber a Pedro Felisbino


“[...] Houve um boato que em Campos Novos tinha um remedieiro que acertava muito bem a quem lhe procurava. Meu pai, Carlos Webber, foi a Campos Novos na busca de remédio para minha mãe que estava acamada e foram muito bem atendidos pelo remedieiro que se chamava José Maria. Os remédios foram eficazes e com isto mais e mais gente ia a Campos Novos em busca de remédio para seus males, até que José Maria resolveu vir ao Taquaruçu para evitar que tanta gente tivesse que se deslocar até lá.

José Maria marcou uma data para vir atender no Taquaruçu e neste dia reuniu-se muita gente, e José Maria não veio, mas mandou um mensageiro justificando e quando tivesse uma oportunidade viria. Na véspera da festa do padroeiro Bom Jesus, em agosto de 1912, chegou o tão esperado José Maria, uma pessoa falante, sorridente, de bons modos, humilde, tratava muito bem as pessoas e no dia da festa liderou as rezas e os cantos, parecia até ser um dos líderes do lugar.

As festas do Taquaruçu eram bem vistas por muitos visitantes das comunidades vizinhas e até de longe e estas pessoas ao voltarem a suas casas, levavam a boa notícia, que José Maria atendia as pessoas no Taquaruçu, pois na época não havia mendigos na região, e elas apegavam-se a benzimentos e remédios caseiros, extraídos da própria natureza. José Maria, tendo larga experiência em ervas medicinais e não cobrando nada pelos remédios a quem lhe procurava, não dava conta de atender tanta gente, eles tinham que esperar por vários dias e a tal ponto que precisou arrumar umas moças para por seu trabalho em ordem, que ficaram conhecidas por virgens.

E isso não agradava a Albuquerque [superintendente de Curitibanos]. Ele não via com bons olhos o aumento da população em Taquaruçu porque isso fortalecia seu adversário, precisava arrumar uma maneira de fazer com que José Maria fosse embora. Mandou que se retirasse imediatamente e José Maria, temendo que Albuquerque enviasse seus capangas disfarçados de clientes e armasse uma emboscada, organizou os Pares de França para sua segurança”.


Referência
FELISBINO, Pedro; FELISBINO, Eliane. Voz de Caboclo. Florianópolis: Ioesc, 2002.


Túmulo de José Maria no Irani (23 de agosto de 2008)

Historiador Felipe Corte Real de Camargo conhece o túmulo.

Marco Nascimento faz registros do local onde José Maria foi sepultado.


EUCLIDES FELIPPE


“Só dava bons conselhos”
O autor ouviu Petronilo Ferreira de Almeida, dono da Fazenda da Forquilha (Curitibanos), que conheceu o personagem. Disse que José Maria não se intitulava monge. “Nunca o ouviu dizer que era irmão de João Maria; mas era um bom curandeiro, isso sim”.

“Também não era nenhum sedutor, nem explorador, nem homem de maus conselhos; pelo contrário, só dava bons conselhos, respeitava as famílias. Quando seu pai quis dar-lhe um saquitel com moedas de ouro, agradeceu, assim como recusou também uma invernadinha de 30 alqueires”.

[Petronilo: filho do coronel Francisco de Almeida em Campos Novos, adversário político do coronel Albuquerque. Foi ele quem recebeu José Maria em Campos Novos em 1912, vindo do Irani. Nessa ocasião, ele curou a esposa do coronel, mãe de Petronilo].

Enquanto esteve na fazenda de seu pai José Maria não “temperava” remédios, apenas os receitava de ervas. “Não cobrava nada e nada aceitava em troca pelas receitas; pois, por onde andava todos lhe davam comida e vendo que suas roupas poíam, não faltava quem lh’as dessem novas”.

“Se José Maria fosse só a metade do que inventaram dele após sua morte, teria há muito sido espantado do lugar”. (p. 73)


O nome
Não existem provas de que o “verdadeiro nome” de José Maria tenha sido Miguel Lucena de Boaventura. “O que mais parece é ter este sido um cognome intencionalmente composto”, diz, para imputar-lhe “uma reputação delinqüente, ligando-o ao de dois meliantes de Campo Belo e de Palmas”, nem que tenha sido desertor do Exército ou da Polícia Militar do Paraná. (p. 73)

[Rosa Filho foi atrás de documentos na Polícia Militar e não encontrou nenhuma referência de que José Maria tenha sido desertor daquela força – ROSA FILHO, João Alves. Combate do Irani. Curitiba: Associação da Vila Militar, 1998]

“Sabe-se apenas que antes de chegar em Campos Novos em 1912, viveu talvez por algum tempo em Irani e depois perambulava pelo vale do rio do Peixe receitando chás de ervas, ao ter sido solicitado pelo coronel Francisco de Almeida, para medicar sua esposa enferma”. (p. 74)


“Nosso irmão”
Trechos de uma entrevista feita por Euclides Felippe com Joaquim Rosa, fazendeiro em Taquaruçu que conheceu José Maria.


“Eu conheci ele aqui. Contavam que do Irani vinha para Rio do Peixe com fama de curador. Dali é que o coronel Chiquinho de Almeida o mandou buscar para curar a mulher que não andava boa”. Com a cura da mulher, a fama correu. “Como ele parasse na fazenda, tinha dias que o coronel chegava hospedar mais de dez pessoas”, alimentando e abrigando homens e mulheres e seus animais.

Comentam que o coronel mandava carnear duas rezes por semana.

O ajuntamento cresceu. José Maria se transferiu para a casa de um capataz em outra invernada do coronel no Espinilho.


“– Ele declarava ser irmão de João Maria?
– Ouvi ele falar em ‘nosso irmão’; mas não em ‘meu irmão’. O resto é por conta do povo [...]”. (p. 75)






As fotos
Fellipe reuniu as três imagens que dizem ser de José Maria e as mostrou a antigos moradores da região de Taquaruçu. Nenhum deles reconheceu nelas o verdadeiro personagem. Com base numa dessas fotos o historiador catarinense Aujor Luz viu nele “estigmas físicos de degeneração”. (p. 85)





Referência
FELLIPE, Euclides. O último jagunço. Curitibanos-SC: UnC Curitibanos, 1995.

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